Enredo "Quem tem medo de Xica Manicongo?" mistura crítica social e estética grandiosa, mas corre contra o relógio no final

Se tem uma escola que não tem medo de cutucar feridas e trazer temas necessários para a Sapucaí, essa escola é o Paraíso do Tuiuti! Depois da passagem arrebatadora da Mocidade, foi a vez da azul e amarelo da São Cristóvão incendiar o público com o enredo "Quem tem medo de Xica Manicongo?", uma narrativa potente sobre identidades, resistência e a luta pelo respeito ao movimento trans.

O carnavalesco Jack Vasconcelos mergulhou fundo na história para trazer, à luz do conhecimento público, Xica Manicongo, reconhecida como a primeira pessoa trans do Brasil, ainda no período colonial. O enredo não apenas celebrou essa figura histórica, mas também fez uma viagem entre tempos e territórios, conectando África, Brasil e a ancestralidade de luta da população LGBTQIAP+. Resultado? Um desfile carregado de emoção, simbolismo e um visual de encher os olhos.
O impacto na Avenida

O Tuiuti chegou com um impacto visual poderoso. A comissão de frente já deu o tom do que viria: uma encenação forte, com personagens que transitavam entre tempos históricos para lembrar que a luta por identidade e respeito é eterna.
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Raphael Rodrigues e Dandara Ventapane, brilhou na passarela. Dandara, sempre impecável, esbanjou leveza e graça, enquanto Raphael, recém-recuperado de uma lesão, provou que está mais forte do que nunca, exibindo uma apresentação cheia de paixão e segurança.

A bateria de Mestre Marcão foi um espetáculo à parte. Quem estava na Sapucaí sentiu na pele o poder da cadência e das bossas bem marcadas. Mas, na reta final, a escola precisou apertar o passo, e o último módulo de julgamento da bateria pode ter sido prejudicado pela pressa. Fica a dúvida se isso impactará a pontuação.

Samba que arrepiou!
Se tem um elemento que fez a Sapucaí vibrar do início ao fim, foi o samba-enredo. Composto por Cláudio Russo e Gustavo Clarão, a canção ganhou força na interpretação emocionante de Pixulé. A letra, escrita em primeira pessoa, trazia um tom de urgência e reivindicação que casou perfeitamente com a proposta do desfile. O público comprou a ideia e cantou junto, dando ainda mais energia para a apresentação.
O gigantismo alegórico e o desafio do tempo

O Tuiuti apostou pesado no gigantismo das alegorias. Os carros estavam grandiosos, bem-acabados e com uma riqueza de detalhes impressionante. O carro do "Traviarcado" e a alegoria dedicada ao "Pombagirismo" arrancaram aplausos da arquibancada. Já a escultura colossal do "capiroto" no início do desfile gerou questionamentos — será que era mesmo a melhor escolha de abertura para um enredo tão potente?
Apesar da imponência visual, a grandiosidade trouxe um desafio extra: a escola precisou acelerar na reta final para não estourar o tempo. A correria afetou a fluidez da evolução e pode custar alguns décimos preciosos na apuração.
Afinal, quem tem medo de Xica Manicongo?
O Paraíso do Tuiuti entregou um desfile corajoso, provocativo e visualmente marcante. Trouxe para a Sapucaí um debate fundamental sobre identidade e respeito, usando o Carnaval como plataforma para questionar tabus e celebrar a diversidade.
Se o quesito tempo pode ser um fator preocupante na briga pelo título, uma coisa é certa: o Tuiuti não passou despercebido. O desfile foi um grito de resistência e reafirmação, deixando a pergunta ecoando no Sambódromo e na sociedade: quem tem medo de Xica Manicongo?
Agora é esperar a apuração e ver como a ousadia do Tuiuti será avaliada pelos jurados. Mas, independente da pontuação, a escola já fez história.
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