Vivemos em uma sociedade onde somente a ideia de alguém não acreditar em Deus, por si só já causa repulsa na grande maioria das pessoas. Somos ensinados, desde muito cedo, a acreditar, respeitar e nunca, NUNCA mesmo, questionar a Deus, porque Ele sabe de todas as coisas e sempre deseja o melhor para nós.
Mas, quem é Deus? Ou, o que é Deus? Será que podemos definí-Lo como algo ou alguém fixo, igual para todos? Claro que minha ideia não é fazer com que você, leitor, deixe de acreditar n'Ele, se esse for o caso, mas sim, instigar algumas reflexões sobre o Deus que a sociedade criou e também na forma como a mesma sociedade vem tratando quem ousa vê-Lo de uma forma diferente dessa.
Vou começar por uma análise bíblica. Na Bíblia, livro considerado sagrado, que também não pode ser contestado por se tratar da palavra de um Deus que não pode ser contestado, observamos em diversos relatos, que Deus, embora tendo a capacidade de saber o futuro antes mesmo de acontecer, propôs um teste de obediência a Adão e Eva, e dotou-lhes de livre arbítrio, a liberdade para escolher seus próprios caminhos. Faz sentido para você que alguém que pode já saber do futuro antes mesmo de acontecer, proponha um teste? Não deveria ele encurtar o caminho, uma vez que já saberia o resultado de tal teste? E que liberdade é essa, se só resta uma escolha. Ou faz o que eu quero, ou vou te expulsar do meu lindo paraíso onde você pode ter tudo do bom e do melhor e você terá que “se virar” para conseguir garantir sua sobrevivência?
Acredito que nenhum pai ou mãe humano, imperfeito, iria impor tal condição para seus filhos, assim como também não iriam fazer uns filhos pagarem pelos erros dos outros. Nem mesmo na justiça dos homens, que é falha, um filho responde pelos erros de seus pais, somente o contrário pode acontecer e mesmo assim, quando o filho é menor de idade, mas na justiça do Deus da humanidade, que é uma justiça como dizem que “nunca falha”, todos os humanos pagaram e pagam até hoje pelo erro dos seus pais, que começou, na verdade, tudo com uma mulher. A culpa é da mulher!
Acredito também que nenhum pai ou mãe humanos, desejaria que seus filhos, por mais que escolhessem um caminho mau, passasse a eternidade num lugar de tormento para pagar pelos seus erros, mas o Deus da humanidade, designou para o primeiro de seus filhos que ousou contrariá-Lo, um lugar de fogo e tormento e vai entregar a ele todos os outros que fizerem o mesmo para lá passarem a eternidade sendo torturados, mesmo que não tenham passado a eternidade errando, ou seja, ninguém peca para sempre, mas na justiça do Deus da cristandade, a pena para os pecadores é eterna, sendo assim, desproporcional. E isso, faz sentido pra você?
Continuando a análise de Deus pela vertente bíblica, podemos observar que, ainda falando da sua justiça, a coisa era bem severa já desde o início do mundo. Para quem pecasse, o que fosse considerado grave, como adultério, por exemplo, a pena era o apedrejamento, ou seja, sem oportunidades para o arrependimento, uma vez que o pecador morria, ou o afogamento de quase cem por cento da humanidade por meio de um dilúvio, salvando apenas 8 pessoas, também não sobrando a opção o arrependimento, pois também morreram todos. Eu vejo na Bíblia um Deus rancoroso e ditador, só deixando para a humanidade duas opções: ou fazer o que e Ele quer, ou morrer.
Passando agora para uma análise histórica, bem, me parece bem conveniente ao sistema da época em que a Bíblia foi escrita e sacramentada como sagrada, que o Deus da humanidade seja tão patriarcal. As leis e relatos, começando desde o paraíso, reduzem as mulheres a uma posição de inferioridade e subserviência aos homens, ressaltado inclusive pelo homem que mais escreveu livros que compõe a Bíblia - o apóstolo Paulo. Lá em 1ª Coríntios 14: 34 e 35 ele deixa bem claro que: “Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se, porém, querem aprender alguma coisa, interroguem, em casa, a seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja.” Isso para citar apenas um dos muitos exemplos das coisas as quais as mulheres tinham e ainda têm que se sujeitar para agradar ao Deus de amor da humanidade.
Isso nos ajuda a entender o fato de que todas as mulheres que são citadas na Bíblia, sejam como maus ou bons exemplos, até mesmo a própria mãe do filho de Deus e as 2 únicas que tiveram livros dedicados a elas como Rute e Ester, tiveram suas histórias contadas por homens, pela perspectiva dos homens. Deus pôde inspirar homens para falar Suas palavras, mas não pôde inspirar nenhuma mulher, nem mesmo a mais santa delas, que foi escolhida para ser mãe do Seu filho, sendo que o próprio Jesus disse certa vez que Deus poderia até mesmo usar pedras para falar Sua palavra se os homens se calassem. Parece que Ele só não quis mesmo usar uma mulher, uma que fosse, para ministrar sua palavra. Esse Deus é bastante conveniente aos homens e ao sistema patriarcal opressor da época, não acha? Mesmo tendo sido Ele quem criou a mulher, parece ter deixado para ela uma posição bem menos confortável em relação ao seu sexo oposto, diferente até mesmo dos animais, que foram todos criados em macho e fêmea, a mulher veio depois do homem, tirada de sua costela, e por isso devia submissão ao homem.
Bem, se Deus sabe todas as coisas, por que será que Ele criou o homem sozinho depois de ter criado todos os animais em macho e fêmea, e só quando viu que o homem estava só e triste, Ele decidiu criar a mulher como uma ajudadora? Para onde foi Sua onisciência nesse momento que não viu isso antes? Ou será essa mais uma manipulação conveniente do sistema patriarcal para subjugar mulheres usando como justificativa um ser supremo que não pode ser contestado? Será que esse foi mais um dos erros de Deus? Mas espere, Ele não erra, então não devemos contestar! Ele sabe sempre o que faz, é heresia, discordar ou perguntar. Vai para o inferno!
Deus não pode ser contestado, não se pode questionar, nem duvidar, principalmente se você for mulher. Essas não podem sequer falar, só obedecer a seus maridos, seus cabeças. Assim, em nome de Deus, a classe dominante tem cometido as maiores atrocidades ao longo de sua história e para quem ousa contestar: a morte! Afinal, quem pode contestar a Deus? Ou a pergunta seria: quem pode contestar o sistema dominante que usa um Deus que não pode ser contestado nem contrariado para dominar, extorquir, escravizar, expropriar, invadir e exterminar todos que não atendem aos seus interesses?
Se vamos falar de Deus como um ser que é superior aos humanos, Ele jamais poderia ter características segregadoras e injustas, dividindo seus filhos em duas classes: a que governa e aquela a que só cabe obedecer ou morrer. Cada vez que eu reflito em todas essas histórias narradas na Bíblia, mais eu vejo como Deus reflete as atitudes do homem e que na verdade, muito mais me parece que o homem criou Deus à sua imagem e semelhança e por que não dizer à sua conveniência, para assim poder justificar seus atos absurdos pela conquista do poder, do que ao contrário, como diz Gênesis.
Se é para acreditar em Deus, eu acredito que ele seja justo, não atribuindo uma hierarquia baseada em gênero; que ele seja amor e não rancor; que ele traga paz e não nos incentive à guerra; que Ele estimule à caridade aos pobres e não aos seus governantes que, diferente de Jesus, que sempre condenava a busca por riquezas, vivem montados no luxo sustentados pelos seus fiéis; Ele seria luz e não a escuridão em que temos caminhado por tantos anos, ainda tendo que lutar para fazer com que as minorias não sejam exterminadas pela classe dominante.
Enfim, cada vez que aprendo sobre Deus tendo como reflexo aqueles que se dizem seus seguidores, mais ateu me torno, porque não consigo acreditar que Ele possa ser como o pintam, Ele não pode ser a favor de tanta maldade e injustiça nos quais o mundo está mergulhado. E também porque minha bondade não é por temer o inferno ou a ira de Deus, é a minha essência, e mesmo sem acreditar que exista essa Deus, e inferno, mesmo assim, eu sigo buscando o caminho do bem, do amor, porque para mim, isso é Deus, não importa o nome que você dê para ele - Oxalá, Jeová, Alá. Não importa se você fala com Ele num terreiro, numa igreja, mesquita, ou acendendo uma vela no seu quarto. Se não seguir o conceito de Deus que a maioria das religiões prega e não acreditar no Deus descrito na Bíblia é ser ateu, então que tenhamos mais ateus no mundo, porque os cristãos já mataram demais em nome desse Deus, e assim seguem fazendo. Mas, se quem, ou o que você vê como Deus, faz de você alguém melhor a cada dia, que assim seja. Amém!
Comments