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Ana Soáres

"Sinara Rúbia: A História e a Cultura Afro-Brasileira.

Atualizado: 30 de dez. de 2023

Uma Conversa Poderosa sobre Maternidade, Educação e Literatura Transformadora"


Por Ana Soáres


Sinara Rúbia, Presidente do Museu da Histrória e da Cultura Afro-Brasileira - Créditos: Lara Roque

Em uma conversa reveladora e inspiradora, tive a oportunidade de mergulhar na vida e na trajetória de Sinara Rúbia, presidente do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira. Sua jornada iniciou na universidade, onde, como uma jovem estudante de letras português/literatura, se deparou com a necessidade urgente de reconhecer e afirmar sua identidade como mulher negra. Nascida e criada em uma sociedade permeada pelo racismo, Sinara sempre soube que sua pele não retinta não a impedia de ser, reconhecidamente, uma mulher negra.

Desde sua formação, Sinara Rúbia dedicou-se a uma jornada de autodescoberta e resgate da história e cultura afro-brasileira. Movida pela maternidade, ela percebeu a importância de proporcionar à sua filha, Sara, uma educação que a fortalecesse racial e culturalmente. A falta de representação positiva na literatura infantil a impulsionou a se tornar uma pesquisadora e, posteriormente, uma contadora de histórias comprometida em apresentar personagens e narrativas que refletissem a riqueza e diversidade da cultura afro-brasileira.


A Literatura Afro-Brasileira como Ferramenta de Transformação:


A narrativa de Sinara transcende seu papel como mãe e educadora, expandindo-se para sua atuação como diretora do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira. Ela destaca a importância da literatura afro-brasileira como uma poderosa ferramenta de transformação. Não se limitando a questões raciais, ela enfatiza que essa literatura é para todas as crianças, promovendo a alteridade e ensinando a valorização e respeito ao próximo, independentemente de sua origem étnica.

O entendimento profundo de Sinara sobre termos como “Aláfia” e “Axé” reflete sua abordagem filosófica e espiritual. Ela compartilha como esses conceitos ancestrais, que representam positividade, caminhos abertos e a energia da vida, permeiam não apenas seus livros, mas também sua própria jornada e o impacto que ela visa criar na vida das pessoas.

Ao citar Mandela e Bell Hooks, Sinara destaca a importância do amor como elemento de superação da supremacia branca. Sua dedicação à formação de professores e educadores para incorporar a literatura afro-brasileira nas salas de aula destaca a urgência na transformação do sistema educacional. Ela reconhece o poder transformador dessas histórias e tem em vista proporcionar às crianças, sejam elas negras ou não, uma educação que vai além dos estigmas e estereótipos.


A entrevista com Sinara Rúbia revela não apenas a jornada pessoal e profissional de uma mulher negra comprometida com a promoção da diversidade e da cultura afro-brasileira, mas também a vital importância de uma literatura que transcende barreiras étnicas. Seu trabalho, enraizado na filosofia do Aláfia e Axé, é um testemunho do poder transformador da educação e do amor, elementos fundamentais na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.



“A história das pessoas pretas no Brasil não começa no navio negreiro, a escravização é uma interrupção à história.” Sinara Rúbia

 

 

Ana Soáres: Sinara, a sua trajetória é marcada por uma intensa conexão entre a maternidade, a militância e a literatura. Como a sua experiência como mãe influenciou a sua atuação como educadora e escritora?


Sinara Rúbia: Minha jornada como mãe foi verdadeiramente libertadora. Ao me deparar com a necessidade de criar minha filha negra em uma sociedade racista, percebi a urgência de ser uma educadora antirracista. A busca por literatura que retratasse positivamente a negritude me levou a tornar-me uma pesquisadora e contadora de histórias. Assumindo esse papel, consegui estender minha missão para além da minha filha, formando pessoas, contando histórias e contribuindo para a literatura negra infantil.


Ana Soáres: Seu percurso é profundo no autoconhecimento e valorização da identidade negra. Como esse caminho influenciou a sua atuação como Educadora e Escritora?


Sinara Rúbia: Minha caminhada de reconhecimento como mulher negra começou na universidade, na formação em Letras, Português e Literatura. No terceiro período, já em 2003, enquanto mãe de uma menina negra percebi a necessidade de apresentar referências positivas para ela em um contexto racista. A maternidade foi o ponto de partida para eu me tornar uma Educadora antirracista, criando narrativas que refletissem a diversidade e riqueza da cultura afro-brasileira.


Ana Soáres: Como essa preocupação materna se transformou em uma carreira dedicada à contação de histórias e à escrita de literatura infanto-juvenil negra?


Sinara Rúbia: Ao perceber a ausência de livros que apresentassem pessoas negras de maneira legítima, sem estigma, decidi me tornar uma pesquisadora e contadora de histórias. Minha trajetória inclui trabalhos em projetos sociais nas periferias do Rio de Janeiro, sempre visando à promoção da identidade racial positiva. Minha maternidade foi o impulso para escrever livros, como "Aláfia" e "O dia que eu descobri o Axé", criando histórias que transcendem a religião e promovem o entendimento do Axé como uma energia vital presente em todos nós.


Ana Soáres: Como a literatura infanto-juvenil negra pode contribuir para a desconstrução de estereótipos e para a formação de uma sociedade mais justa e inclusiva?


Sinara Rúbia: A literatura infanto-juvenil negra é para todas as crianças, não apenas para as negras. Ela ensina a alteridade, respeito e valorização da diversidade. O amor à negritude, como Bel Hooks afirma, é um elemento de superação da supremacia branca. Essa literatura tem o poder de transformar, informar, curar e trazer sabedoria, promovendo uma imersão nos conhecimentos ancestrais e na cultura afro-brasileira. É um instrumento fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.


Ana Soáres: Em relação à educação, como você vê a importância da presença da literatura infanto-juvenil negra nas escolas e como tem trabalhado nesse sentido?


Sinara Rúbia: A ausência dessa literatura nas salas de aula legitima e potencializa o racismo. É urgente a reformulação imediata da educação, com a inclusão desses livros nos currículos. Meu trabalho inclui a formação de professores e educadores para trabalhar com essa literatura nas salas de aula. É necessário que essas histórias cheguem a todas as crianças, promovendo a alteridade e desconstruindo estereótipos.


Ana Soáres: Como autora de literatura infanto-juvenil negra, qual é a mensagem central que você deseja transmitir através de suas obras?


Sinara Rúbia: Minhas obras buscam transmitir a riqueza da cultura afro-brasileira, promovendo o amor à negritude e a compreensão do Axé como uma energia vital. Quero que as crianças, independentemente de sua cor, tenham acesso a histórias que as transformem, proporcionem alegria, felicidade e que as preparem para enfrentar desafios de maneira mais fortalecida.


Ana Soáres: Você mencionou a importância da literatura negra na formação de crianças, independentemente da sua cor. Como essa literatura pode ser uma ferramenta para promover a alteridade e combater o racismo desde a infância?


Sinara Rúbia: A literatura negra infantil não é exclusiva para crianças negras; ela é essencial para todas as crianças. Ela ensina a alteridade, respeito pelo próximo, e desafia os estereótipos. Muitas vezes, quando se trata de livros com protagonistas negros, há um questionamento se são adequados para crianças brancas. Essa literatura é para todos, pois ela cura, informa, traz sabedoria e promove alegria. É uma imersão que transforma vidas, proporcionando uma compreensão genuína e profunda.


Ana Soáres: Como você vê o impacto da literatura infanto-juvenil negra na construção da identidade e autoestima das crianças?


Sinara Rúbia: Essa literatura tem um impacto transformador, promovendo uma identidade racial positiva e fortalecendo a autoestima das crianças negras. Ela oferece referências que vão além de estigmas e estereótipos, possibilitando uma visão mais ampla de sua própria história e potencial. O poder da representatividade na formação das crianças é inegável.


Ana Soáres: Além de escritora, você é presidente do Muhcab (Museu da História e Cultura Afro-Brasileira). Como essa posição se conecta com o seu trabalho como educadora e escritora?


Sinara Rúbia: Ser diretora do Muhcab permite uma atuação ampla na promoção da cultura afro-brasileira. O museu é um espaço de resistência e celebração da história e identidade negra. Minha posição como educadora, escritora e presidente do Muhcab converge na missão de disseminar conhecimentos que valorizem a diversidade e contribuam para uma sociedade mais justa.


Ana Soáres: Sua atuação como Educadora, Presidente do Muhcab e escritora está diretamente ligada à promoção da cultura afro-brasileira. Como você vê o papel da literatura na preservação e valorização dessa cultura?


Sinara Rúbia: A literatura é uma poderosa ferramenta na preservação e valorização da cultura afro-brasileira. Ela narra a história do nosso país de uma maneira legítima, contundente e protagonista. A literatura afro-brasileira não é apenas uma parte, mas a essência da literatura brasileira. Ela é uma narrativa que fala de resiliência, luta, violência, mas também de reconstrução e heroísmo. Ao contar essas histórias, ela contribui para a compreensão e celebração da riqueza da cultura afro-brasileira.


Ana Soáres: Seu último livro, "O dia que eu descobri o Axé", parece ser uma expressão significativa da sua vivência. Como a filosofia do Axé influenciou a sua vida e como você traduz essa sabedoria ancestral para o cotidiano contemporâneo?


Sinara Rúbia: O Axé é uma energia que está presente em todos os seres e na natureza. Ele representa a vitalidade, a positividade e a força de viver. Tanto Aláfia quanto Axé são conceitos que tenho explorado filosoficamente no meu cotidiano. Busco traduzir esses conhecimentos ancestrais em palavras e aplicar essa metodologia de vida. Na prática, tento nutrir-me desses saberes para encontrar caminhos de afago, alegria e felicidade, mesmo em meio às lutas e desilusões. Essa é uma jornada que estou testando e compartilhando, e tem impactado positivamente as pessoas ao meu redor.




Ana Soáres: Como você enxerga o papel da literatura infanto-juvenil negra no enfrentamento do racismo e na construção de uma sociedade mais inclusiva?


Sinara Rúbia: A literatura infanto-juvenil negra tem um papel fundamental no enfrentamento do racismo ao desconstruir estereótipos, promover a valorização da diversidade e ensinar a alteridade. Ela contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva ao oferecer narrativas que transcendem preconceitos e preparam as crianças para a convivência harmoniosa em um mundo diverso.


Ana Soáres: Quais são seus projetos futuros como escritora e educadora, e como espera ver a literatura infanto-juvenil negra evoluindo nos próximos anos?


Sinara Rúbia: Meus projetos futuros incluem continuar escrevendo e contando histórias que promovam a cultura afro-brasileira. Pretendo expandir minha atuação na formação de professores e educadores para garantir que a literatura infanto-juvenil negra esteja presente nas salas de aula. Espero ver um cenário em que essa literatura seja uma ferramenta padrão de educação, contribuindo para uma sociedade mais justa e equitativa.


Ana Soáres:  Você mencionou o impacto da literatura negra nas salas de aula. Como você enxerga a necessidade de uma reformulação imediata da educação para incluir esses conteúdos de maneira mais abrangente?


Sinara Rúbia: A ausência da literatura negra nas salas de aula é um problema urgente que precisa ser enfrentado de forma imediata. A educação precisa ser reformulada para incluir esses conteúdos de maneira mais abrangente. Não basta lutar pelo acesso à educação; é crucial reformular imediatamente o currículo. Os livros de autores pretos, assim como os meus, precisam estar nas salas de aula para que as crianças recebam uma educação que promova a alteridade, combata o racismo e revele a verdadeira diversidade e riqueza da cultura brasileira.


Ana Soáres: Sua atuação vai além da literatura, incluindo a formação de professores e educadores. Qual o impacto dessa formação na promoção de uma educação antirracista?


Sinara Rúbia: Minha formação de professores e educadores tem impacto transformador. Descobri que essa formação é potente, capaz de mudar mentalidades e práticas. Ao capacitá-los para trabalhar com literatura negra nas salas de aula, estou contribuindo para a construção de um ambiente educacional antirracista. É uma abordagem que vai além do acesso à educação; é uma mudança real na metodologia e nas perspectivas, promovendo uma educação mais inclusiva e verdadeiramente diversa.


Ana Soáres: O seu trabalho tem sido uma verdadeira celebração da cultura afro-brasileira. Como você vê o papel da arte, especialmente da literatura, na promoção da igualdade racial e na construção de uma sociedade mais justa?


Sinara Rúbia: A arte, especialmente a literatura, desempenha um papel fundamental na promoção da igualdade racial e na construção de uma sociedade mais justa. Ela tem o poder de transformar vidas, de desafiar estereótipos e de criar empatia. Ao contar histórias que celebram a cultura afro-brasileira, estamos contribuindo para a construção de uma narrativa inclusiva e positiva. A literatura é uma ferramenta poderosa para educar, inspirar e promover a compreensão mútua, essencial para a construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária.


Ana Soáres: Para encerrar, o que você espera para o futuro da literatura negra no Brasil e qual mensagem você gostaria de transmitir para aqueles que estão comprometidos com a promoção da igualdade racial?


Sinara Rúbia: Eu espero que o futuro da literatura negra no Brasil seja marcado pela expansão e reconhecimento merecido. Que mais autores e autoras negras sejam valorizados e que suas obras estejam presentes nas salas de aula, transformando vidas e construindo uma sociedade mais justa. Para aqueles comprometidos com a promoção da igualdade racial, minha mensagem é de perseverança e ação. Continuem desafiando o status quo, promovendo a diversidade e construindo pontes. A literatura negra é uma ferramenta poderosa, e cada esforço contribui para a construção de um futuro mais inclusivo e equitativo.


Ana Soáres: Agradeço imensamente por compartilhar sua trajetória e perspectivas conosco. Suas palavras certamente inspiram e destacam a importância da literatura infanto-juvenil negra na construção de um futuro mais inclusivo.


Sinara Rúbia: Agradeço pela oportunidade de compartilhar minha história e visão. Finalizo citando Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” Que possamos juntos trabalhar para transformar o cenário educacional e promover uma sociedade mais justa e acolhedora. Aláfia e Axé para todos nós.


Foto: Sinara Rubia - Créditos: Lara Roque

Sinara Rubia é mestre em Relações Étnico-Raciais pelo CEFET/RIO/PPRER, graduada em Letras, Português-Literatura, Pós graduanda em História da África e Diáspora Atlântida. Pesquisadora nas áreas de Literatura Infanto-juvenil Negra e Contação de Histórias de Inspiração Griô. Também é educadora, escritora e instrutora nas áreas de arte e cultura e escritora de Literatura Infanto-juvenil Negra. Trabalhou e compôs grupos, projetos e organizações que atuam nas áreas de Direitos Humanos, Combate ao Racismo e à Violência de Gênero, Desenvolvimento Territorial e Geração de Renda. Consolidou sua experiência na criação e produção ao atuar em diversas funções na 0execução de projetos sociais/culturais como coordenação, mediação, facilitação, tutoria, consultoria técnica (administrativa ou artística),planejamento administrativo, plano de negócios, e na própria Produção. Integrou a equipe de Coordenação da Agência de Redes para Juventude, fez parte da gestão de grupos culturais que realizam ações com diversas linguagens artísticas. Foi Assessora de Práticas Antirracistas, SMC/RIO e Gerente de Livro e Leitura, SMC/RIO. Atualmente é Diretora-Presidente do MUHCAB/RIO ( Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira).



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