Se não sei não sei viver, não saberei morrer!
Por Cléo Schneider
Vida longa e próspera a todos vocês. E, mais que isso, digna de amor do início ao fim!
Eu amo leituras que mexem comigo e me botam de ponta-cabeça. Foi assim com esse livro lindo da Ana Claudia Quintana Arantes, A morte é dia que vale a pena viver.
Ana é médica formada pela Universidade de São Paulo (USP), com pós graduação em psicologia. Mais especificamente, em intervenções em luto. Além disso, é especialista em cuidados paliativos. Ao ler sobre sua formação e trajetória, tem-se a impressão de alguém muito, muito humana. E caro leitor, só sendo demasiando humano para abordar uma temática tão densa com tamanha humanidade.
Saí dessa leitura um tanto mais sensível para a vida, para a caminhada, para o tempo com os meus: mais humana.
"Tudo branco ao redor de mim
vazio, frio
anunciando fim
talvez eu pudesse aceitar
simplesmente calar
tentar te acalmar
apenas te abraçar
e te ver passar
transcender
apesar da sua dor
mesmo sabendo que precisavas descansar
me vi a implorar
te preciso mais um pouco
por favor...
para te acalentar
para poder te abraçar
sei que você pode me perdoar
aqui e mais além
o nome disso é amor".
Essa foi minha oração quando vi, em estado de choque, que a possibilidade de perder alguém que tanto amo era real. Que dor imensa! E quão impotentes e pequenos somos diante disso, diante do fim. Eu faço minhas orações dessa, e de tantas outras formas, eu dialogo com Deus e entrego tudo a ele. Isso é fé. Imagino que você também, aí do seu jeitinho. Ainda assim, há momentos em que tudo fica tenso. E eu vivi esse momento tenso em 2023. Logo depois chegou em minhas mãos esse livro da Ana Cláudia.
Fazia um tempo que eu queria ler algo do gênero, mas fugia. Sim, eu tenho dificuldade em lidar com temas sobre fins, perdas… Pena para mim. Agora, contudo, entendo os motivos. Sou grata por isso. A obra tomou forma após uma palestra de Ana na TED, na qual a autora afirma que a morte é um dia que vale a pena viver. A frase dá título a este livro, e o livro dá sentido a um mundo de coisas. Estar perto do fim nos coloca em debate com o início. Ana nos leva a refletir, de modo muito comovente e profundo, sobre o que nos assusta em relação à morte.
Segundo ela, o que nos assusta não é a morte em si, mas não termos vivido quando ela chega. Perdemos tempo o tempo todo. Quando o tempo acaba, queremos mais tempo. Caminhamos, mas não experimentamos a caminhada. Quando ela chega ao fim, nos damos conta de que não vivemos o caminho. Como especialista em cuidados paliativos, as experiências que a autora partilha são incríveis e certamente transformadoras. O que mais me me transformou como leitora dessa obra incrível e como usuária de um sistema de saúde precário, sem medo de confessar, foi sobre o cuidado afetivo do qual precisa e merece aquele que está com alguma doença terminal. Estar para morrer não é estar morto. Nessa posição está alguém que quer ser visto, ouvido, percebido, sentido, respeitado, olhado, amado...
Se quem cuida de um ser humano acometido de alguma doença terminal enxerga antes a doença que o ser humano, essa pessoa não deveria estar cuidando de alguém doente. Ana enfatiza, de maneira muito doce - e me enche de esperança no humano -, que, quando não há mais nada a fazer por alguém, é hora de fazer muito: respeitar e amar! Quando entramos em desespero em quarto de hospital, diante de um diagnóstico terminal de um de ente querido, não é que queremos ser mais que Deus e prologar a vida, é que tememos o descaso com a vida e com a dignidade daqueles que amamos.
O livro ampliou minha percepção sobre a vida, a morte, o cuidado com alguém doente e também com quem cuida. Não raras vezes, nos deparamos com profissionais de saúde que não desempenham sua função com compaixão, nem com os pacientes, tampouco com os familiares. Devem estar exaustos! Cuidemos uns dos outros com afeto e compaixão. Cuidemos de quem cuida.
A autora nos convida para um olhar mais sensível e atento sobre a morte nos conduzindo para uma reflexão valorosa sobre a vida. Vale a pena a leitura! Esperança, contemplação, entrega, cuidado, afeto, compaixão, amor são as palavras que reverberam em mim até agora.
Oxalá para sempre!
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