top of page
Silver Marraz

Se for falar de preto, melhor que se cale

Um amigo me enviou um texto que fiquei sem palavras. Na verdade, eu dobrei meus joelhos no chão tamanho foi o peso do que recebi em meu cérebro. Não sei se tenho permissão para usar um dos seus trechos aqui, mas se eu não o fizer, vou me detestar por perder a oportunidade.


Allan Kardec disse: “O negro pode ser belo para o negro, como um gato é belo para um gato; mas não é belo no sentido absoluto, porque os seus traços grosseiros, seus lábios espessos acusam a materialidade dos instintos; podem bem exprimir as paixões violentas, mas não saberiam se prestar às nuanças delicadas dos sentimentos e às modulações de um espírito fino. Eis porque podemos, sem fatuidade, eu creio, nos dizer mais belos do que os negros e os Hotentotes; mas talvez também seremos, para as gerações futuras, o que os Hotentotes são em relação a nós; e quem sabe se, quando encontrarem os nossos fósseis, não os tomarão pelos de alguma variedade de animais.”

E ainda acrescenta: “... as raças não são perfectíveis senão em limites estreitos, pelas razões que desenvolvemos. Eis por que a raça negra, enquanto raça negra, corporeamente falando, jamais alcançará o nível das raças caucásicas...”


Eu riu ou choro com a situação? Isso é preconceito racial? Na hora fiquei louco com a situação. Como negro, senti como se ele tivesse me colocado no tronco e dado várias chibatadas. Mas, resolvi não falar sobre sua atitude intelectual primitiva e inábil para mostrar que existem dois tipos de negros e que, prefiro fingir acreditar: ele só conhecia um.

O negro que sofre de banzo, que foi estereotipado pela sociedade como vítima do entrave do desenvolvimento e do relacionamento com a humanidade. Este negro sofre com as armas que doem, que perfuram, que maltratam. Sofre na pele o preconceito e se sente vítima de tudo: formas de vestir, cor, linguagem, credo e posição social.


E o negro que não se deixa discriminar, porque usa as mais inusitadas áreas do conhecimento humano, e que usa sua inteligência e não a cor para se defender. Este negro usa a História, luta contra os traumas e os rancores, porque acredita que o preconceito, seja por parte de quem for, não pode refletir em um futuro frustrado de discriminações, dívidas históricas e mágoas além de não se deixar escravizar servindo a um sistema subserviente dirigido seja por quem for.


O negro que sofreu a grande injustiça do passado, e ela se reflete no presente e vibra com as propagandas que tentam educar a sociedade com ameaças e punições severas quando o tratar com atos discriminatórios. Este negro é injustiçado socialmente e a escravidão deixou marcas nefastas na sua vida jogando-o no grupo dos desfavorecidos.


Eu sou negro convicto e evoluo. Não nego e nem ofendo o direito de ele, Alan Kardec, expor suas opiniões, afinal a vida é feita de perguntas, respostas e argumentos e visões, e do ponto de vista do mar, quem balança é a praia. Em outras palavras, é o ponto de vista de uma raça branca falando da raça preta.


Estes são conceitos ínfimos em relação à nossa classe e vejo com isso que a evolução espiritual que tanto se prega nas religiões, vitima muitos com o próprio infortúnio do julgamento a que certamente também serão submetidos, seja lá onde for, por falar determinadamente das raças, rotulando algumas delas à não-evolução.


Quanto ao fato de aceitar ser negro ou não – mesmo que algum de nós tenha desejado ser branco ou não – não vejo problema algum, uma vez que ser branco não é mérito, assim como ser negro também não. Veja o exemplo: brancos se bronzeiam para pigmentar a pele, e uma série de outras situações que fazem parte da grande arte de viver: pintar o cabelo, maquilar, tatuar, usar roupas diferentes.


Claro que sei que a situação do negro na sociedade é diferente sim, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, os negros compõem 52% da população, mas são 86% vitimados pela polícia. Entre os brancos o quadro se inverte: são 26% da população e destes, menos de 10% vitimados pela força policial. Já para os pardos, 34% da população do Rio de Janeiro, a incidência de mortes é de 21%, também acima da porcentagem registrada entre brancos.


“A proporção de negros, entre as vítimas da violência policial, é três vezes a proporção desse grupo na população como um todo”, destaca o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). “O peso desproporcionalmente alto dos negros entre as vítimas mortas nas ações policiais constitui claro indício da existência de viés racista nos aparelhos de repressão”.


Penso sinceramente que o fato de ser “ser humano” já me faz ser digno de qualquer coisa e somos vítimas – TODOS – da maldade que cada um carrega dentro de si todos os dias e esta, muitas vezes, é que vitima pessoas com estupidez, intolerância e ignorância. O meu papel é não permitir que haja em mim confusões de valores, ilusões por causa da fama, dinheiro, status, ignorância social, política e moral e isso me levaria a viver uma vida pautada na mediocridade, coisificando pessoas e deixando de santificar atos que possam ajudar o ser humano a sair do estado letárgico para o de agente cujas ações, na sociedade, é de equilibrar pela graça e não pelo poder.


Sou negro sim, e de banzo eu não sofro. “A minha pele de ébano é minha alma nua, espalhando a luz do sol” e a minha consciência está nas lutas estáticas e flexíveis, espirituais e materiais e tento a cada dia não permitir que “líderes espirituais” ou pontos de vista que não me definem nem representam, me façam simplificar e dançar com a letra de sua música desprezível e desnecessária, porque sei que sou uma parte de algo que é mais que isso, muito mais.


Se os conceitos são ínfimos em relação à nossa classe, penso que os próprios racistas se vitimam hipocritamente ao usar da festa e batida de nossos tambores para se divertir. Se vitimam com a falta de vergonha na cara, pois o carnaval do nosso país nasceu dos pés dos pretos e favelados e hoje é o que é, graças ao requebrado de nossas pretas e o charme de nós homens pretos. Se vitimam pelo uso constante de coisas inventadas pelos pretos e tão úteis à sociedade: o papel, os sapatos, as bebidas alcoólicas, os cosméticos, as bibliotecas, a arquitetura, a hélice de barco, as lâmpadas mais douradas, o fechamento automático de portas do elevador, o semáforo aprimorado, o sistema organizado de taquigrafia, a caneta tinteiro, a máquina de escrever, o computador pessoal, a quimioterapia, o câmbio automático, entre tantas outras invenções.


Pena que seus escrúpulos e caráteres não os tenha feito mexer mais que a língua ao falar de nossa raça. Equilibramo-nos pela graça e não pelo poder e, principalmente, não por uma vida marcada pela mediocridade de quem não sabe o que faz muito menos o que diz.


Por Silver D'Madriaga Marraz


Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page