Passinho e o Funk como Potências Culturais.
No último domingo, dia 23, aconteceu a final do RedBull Rabiscada, uma competição inédita dedicada ao Passinho, estilo de dança urbana originado nas favelas do Rio de Janeiro. Em 10 dias, ocorreram duas seletivas e a grande final. Os locais escolhidos para as seletivas não poderiam ser diferentes: a primeira foi no Skate Park de Manguinhos e a segunda foi no Visão VDG, no Vidigal. Em cada seletiva três trios foram selecionados para a final nacional. A competição foi estruturada em três rounds, com a entrada livre em que cada trio apresentava sua coreografia individual, seguida de uma performance sincronizada e fechando com o desafio do 150 BPM, testando a habilidade dos dançarinos em ritmos mais rápidos.
Dança, ritmo e resistência: a final que movimentou o Rio
O corpo de jurados foi composto por grandes nomes do Passinho, garantindo uma avaliação criteriosa e alinhada com a cultura da dança. O evento foi gratuito e aberto ao público, promovendo a democratização da cultura e valorização dos dançarinos locais. O público teve participação fundamental também, contabilizando como um dos votos para apuração do vencedor de cada rodada.
A final foi no Circo Voador e tive a felicidade de acompanhar. Além da competição de dança, estava em exposição uma série de fotografias dos bastidores do Documentário "Passinho Foda - o corre por trás da dança", disponível na Netflix. Com cenas de algumas competições e ensaios até a reação de uma mãe acompanhando a vitória de seu filho, muito emocionada e feliz contando como aquele trabalho foi importante para a vida da família. Não assisti o documentário, mas vendo o trailer no telão, um depoimento confirmou o que constatei ao ver a exposição de fotografias, antes de experienciar a espécie de catarse coletiva frenética que tomou conta da pista nas batalhas. O dançarino afirmava que, aqueles que estavam nas competições com muita dedicação, só poderia ser por muito amor à dança e ao funk, pois muitas coisas cruzaram seus caminhos e que poderiam causar desvios.
Racismo estrutural e a batalha por reconhecimento
O que ficou óbvio após essas observações é o conhecido e ignorado racismo estrutural e cultural que enfrentamos diariamente. A complexidade cultural produzida por jovens de favela, como o estilo de dança que é o Passinho e o funk, música eletrônica carioca dos estúdios da favela para o mundo, precisam do mesmo reconhecimento dos balés e concertos de música clássica que embalam o Theatro Municipal. A diferença é que o Theatro Municipal existe para o entretenimento de uma elite abastada e para aqueles intelectuais eruditos de gostos superiores, enquanto o funk está para a alienação das massas. Essas são as ideias que permeiam o nosso senso comum e que, por isso mesmo, imprecisas e superficiais.
A democracia que deveria abranger, também, a produção cultural de uma nação nos deveria proporcionar a valorização e o acesso igualitário à todas essas expressões estéticas, artísticas e culturais, desde a música clássica ao funk. Poderia exemplificar com a performance de um número do espetáculo The Jackson's Funk que aconteceu nesta mesma noite histórica, de coreografia impecável e teatralidade ímpar, um show que une o funk e o passinho às coreografias eternizadas pelo do Rei do Pop, Michael Jackson. E então, só assim, diferentes subjetividades poderiam ser respeitadas na valorização desse povo multicultural e multiétnico que somos.
As Irmãs Metralha: a coragem feminina em meio a um cenário masculino
Voltando à grande final da competição, 8 trios se apresentaram em 3 classificatórias, e destaco o trio As irmãs metralha, único composto apenas por mulheres de outros estados e de muita corajosa por abrir caminho em uma competição dominada por homens, como disse o MC da noite: "elas só tinham o id jovem e um sonho".
Reis da Dança Redbull: os campeões que levaram o troféu
Apesar de não ganharem, foi emocionante acompanhar os gritos e aplausos de quem entendeu a grandiosidade do movimento dessas três dançarinas. O prêmio foi para o trio Reis da Dança, mas julgando pela alegria, empenho e malabarismos de todos os participantes, acredito que seja seguro afirmar que todos saíram vencedores em alguma maneira, começando pelo ato revolucionário de representar a cultura favelada carioca.
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