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Marcelo Teixeira

Recordar para esquecer - a importância de "Ainda estou aqui" para a memória brasileira

Ainda estou aqui
Imagem: pixabay.com

Leio nos portais de notícias e também vejo nos telejornais que o filme “Ainda estou aqui”, do cineasta Walter Salles, já superou a casa de um milhão de espectadores. Trata-se de uma notícia maravilhosa por vários motivos.

 

Em primeiro lugar, celebremos a retomada do cinema brasileiro, que sofreu nas mãos do governante que esteve à frente do país de 2018 a 2022. A coisa foi tão estranha que os cartazes das produções cinematográficas que ilustravam tanto o site como a sede da Agência Nacional de Cinema (Ancine) foram, à época, removidos. Por isso, ver produções como “Ainda estou aqui” e outras tantas fazendo bonito aqui e lá fora é um fato pra lá de alvissareiro.

 

Em segundo porque o filme é um primor. A reconstituição da época (início dos anos 70) está fantástica. Cenários, figurinos, hábitos, gírias... Chovendo no molhado, destaco o denso e fantástico desempenho de Fernanda Torres, que, na pele de Eunice Paiva, que teve o marido tirado de casa pela ditadura militar para nunca mais voltar, dá um banho de interpretação. Ela vai da ternura ao desespero num piscar de olhos, literalmente. Selton Mello, como Rubens Paiva, deputado cassado e depois torturado e morto, também marca presença de forma tocante. E ainda temos, no elenco, nomes como Dan Stulbach, Camila Márdila, Humberto Carrão, Pri Helena, Daniel Dantas, Marjorie Estiano, Thelmo Fernandes e, fechando com chave de ouro, Fernanda Montenegro, só para citar alguns.

 

O terceiro e mais importante motivo é o resgate da memória. Uma memória de um período chamado ditadura militar ou anos de chumbo, que infelicitou o país e fez com que brasileiros famosos ou desconhecidos fossem perseguidos, torturados ou mortos. Aí vão alguns exemplos: a atriz Bete Mendes e a ex-presidente Dilma Rousseff foram torturadas. O diretor de teatro Augusto Boal, o sociólogo Herbert de Souza e o antropólogo Darcy Ribeiro foram mandados para o exílio, ou seja, fora do país. Por fim, o jornalista Vladimir Herzog, a estilista Zuzu Angel e o educador Anísio Teixeira foram assassinados.

 

Período mal contado e mal explicado, os anos de chumbo foram convenientemente colocados numa espécie de limbo do esquecimento. É um assunto pouco debatido e estudado. Talvez porque, quando o país iniciou a o retorno para a democracia, todos foram anistiados. Não só os presos e exilados políticos, mas também os assassinos e torturadores. Em suma: os algozes não foram punidos. A consequência desse passado convenientemente esquecido de forma equivocada está aí: elegemos uma criatura tosca para a Presidência da República em 2018 e que, ao perder em 2022, articulou, junto com seus comparsas, um felizmente malsucedido golpe de Estado.

 

Por isso, é necessário recordar para esquecer, isto é, esmiuçar o que foi o período da ditadura militar para o país, levando-o para o debate em escolas, universidades, centros culturais e até templos religiosos. E também, a exemplo do que fizeram outros países que passaram por ditaduras militares (Chile, Uruguai e Argentina) responsabilizar judicialmente os culpados, indenizar as famílias que foram perseguidas ou tiveram algum parente torturado, ou morto e transformar locais que foram palcos de atrocidades em centros de memória, a fim de que esse passado mal resolvido seja convenientemente contextualizado para, aí, sim, ser devidamente esquecido, mas não apagado. Esse esquecimento a que me refiro tem a ver com fazer as devidas reparações e seguir adiante, tendo na razão e no coração a certeza de que ditaduras e autoritarismos jamais devem se repetir. Ele deve ser, portanto, uma referência para que erros históricos como a recente tentativa de golpe não se repitam.

 

Se não agirmos dessa forma, o passado corre o risco de voltar, feito alma penada que ainda não encontrou seu rumo e emerge cobrando as devidas reparações.

 

Marcelo Teixeira

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