LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Nápoles não é apenas pano de fundo em Parthenope; ela é personagem principal. Sob a direção do consagrado Paolo Sorrentino (A Grande Beleza), este filme é um mergulho sensorial e poético na alma de uma cidade e de uma mulher, ambas marcadas pelo desejo, pela beleza e pela inexorabilidade do tempo. Mais do que um filme, Parthenope é um estado de espírito. Uma experiência visual e emocional que reverbera com cada onda do mar Tirreno.
Quem é Parthenope?
Inspirado na figura mitológica que deu nome à cidade de Nápoles, o filme segue a jornada de Parthenope, uma jovem de beleza estonteante que cresce sob o sol da Itália meridional dos anos 1960. Interpretada com uma combinação rara de graça, mistério e melancolia por Celeste Dalla Porta, a personagem-título não é apenas observadora, mas também agente e vítima de seu tempo.
O roteiro acompanha sua vida desde a adolescência até a idade adulta, entre amores efêm eros, laços familiares instáveis e um constante desejo de pertencer. Parthenope atravessa paixões, perdas, silêncios e revelamentos com a leveza de quem parece pertencer mais aos mitos do que à realidade. É uma mulher em busca de si num mundo que a define por sua aparência.

Sorrentino: poesia em forma de câmera
Quem conhece o cinema de Sorrentino já sabe: não se trata apenas de contar uma história, mas de transbordá-la em imagens que hipnotizam. Parthenope é, talvez, sua obra mais pessoal desde A Juventude. A câmera é leve, fluida, quase etérea. Ela desliza pelos becos de Nápoles, captura a luz dourada das tardes de verão, as danças ao ar livre, os corpos sob o sol. Cada plano parece pintado com o desejo de fazer o tempo parar.
A direção de fotografia de Daria D'Antonio é deslumbrante. As cores são saturadas na medida certa, evocando um verão eterno, uma memória reeditada com afeto. O mar, o sal, o vento... tudo é sentido. A trilha sonora pontua com suavidade os momentos mais intensos, indo do clássico ao pop italiano com naturalidade.
Juventude, desejo e pertencer
Parthenope é sobre a juventude, mas não a que se celebra nos comerciais. É sobre a juventude real: confusa, solitária, desejada e muitas vezes sufocante. A protagonista vive numa constante encruzilhada entre ser vista como musa e ser ouvida como mulher.
As relações que constrói com homens mais velhos, com outras mulheres, com artistas, com sua família, revelam a fragilidade de quem ainda não sabe qual é o seu lugar. A cidade de Nápoles, com seu caos e sua beleza, espelha esse sentimento. Nada é fixo. Nada é só belo ou só trágico. Tudo é mistura.

Elenco e atuações
Além de Celeste Dalla Porta, o filme traz nomes como Silvio Orlando, Gary Oldman em uma participação surpreendente e Biagio Forestieri. Todos contribuem para criar um universo tangível, onde as performances são mais sugeridas do que declaradas. Nada é sublinhado. O drama está nos olhares, nos silêncios, no que não é dito.
Oldman, mesmo em cena por poucos minutos, entrega um monólogo que arrepia e sintetiza muito do que o filme quer discutir: a efemeridade da beleza e a dor de querer reter o que, por natureza, escapa.
Reflexo de um tempo, espelho de gerações
Embora ambientado nas décadas passadas, Parthenope dialoga profundamente com questões atuais: a objetificação feminina, a pressão social sobre os corpos, a solidão emocional da mulher que ousa não seguir o caminho tradicional. A obra é sutil, mas política. É romântica, mas não idealiza.

Um filme para sentir, não apenas assistir
Parthenope é daqueles filmes que pedem entrega. Não espere grandes reviravoltas ou soluções fáceis. É uma narrativa sensorial, contemplativa, que se revela com o tempo. É sobre se perder e se encontrar. Sobre ser mulher em um mundo que prefere te definir antes mesmo de te escutar.
No fim, a pergunta que ecoa é: quantas vezes deixamos de viver o amor verdadeiro por estarmos presos a imagens criadas pelos outros? Parthenope não responde. Apenas observa. E nos convida a fazer o mesmo.
Nota Final: ⭐⭐⭐⭐⭐ (4,5/5)
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