Enquanto campanhas focam nos jovens, a saúde sexual da terceira idade é negligenciada.
A vida não termina aos 60, mas, para muitos brasileiros, ela pode ganhar um capítulo inesperado e perigoso: o diagnóstico de HIV. Um número que deveria chocar, mas que passa quase despercebido, revela a realidade alarmante. Entre 2011 e 2021, o número de idosos diagnosticados com o vírus quadruplicou. Não é exagero dizer que o Brasil está frente a uma epidemia silenciosa entre aqueles que deveriam estar curtindo a aposentadoria – e não lidando com o preconceito e o descaso do sistema de saúde.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) levantou a bandeira, mas quem está ouvindo? Campanhas como o Dezembro Vermelho são marcantes, mas ainda deixam lacunas gritantes. A ênfase em jovens, embora necessária, esquece que os idosos também amam, se relacionam, e, sim, têm vida sexual ativa. O preço dessa invisibilidade são quase 25 mil casos de AIDS em uma década, acompanhados de mais de 14 mil mortes.
O uso de preservativos entre idosos é raro. Para muitos, a ideia de proteção sexual se limitava a evitar gravidez – preocupação que já não existe. O acesso a medicamentos para disfunção erétil deu nova vida à sexualidade, mas sem o devido suporte educativo. O resultado? Um aumento expressivo de infecções sexualmente transmissíveis nessa faixa etária. O HIV Entre idosos é a nova epidemia silenciosa.
E os médicos, onde estão? Em boa parte dos casos, os sintomas do HIV em idosos são confundidos com câncer ou outras doenças crônicas. A falha no diagnóstico precoce não é apenas negligência, mas um reflexo do tabu que ainda envolve a sexualidade na terceira idade. Quem disse que libido morre com o passar dos anos? Esse preconceito mata.
A fragilidade biológica dos idosos torna o corpo mais suscetível ao vírus, e, ainda assim, campanhas informativas raramente atingem esse público. A SBGG alerta que os tratamentos precisam ser adaptados à realidade de quem já convive com diabetes, hipertensão ou problemas renais. A terapia antirretroviral (TARV), embora eficaz, demanda um manejo cuidadoso – algo que falta em um sistema de saúde sobrecarregado e mal preparado.
Mais do que uma crise de saúde, estamos diante de uma crise moral e política. A negligência com os idosos reflete o histórico desprezo do Brasil pelo envelhecimento digno. A epidemia silenciosa de HIV entre os mais velhos é só mais um capítulo de um país que vira as costas para quem já contribuiu tanto.
É urgente que o Dezembro Vermelho e outras campanhas ampliem seu alcance. Não é só uma questão de saúde pública, mas de respeito e humanidade. Ignorar os idosos é condená-los não apenas à doença, mas ao esquecimento.
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