Por trás da retórica verde, o governo opta pela contradição da exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas.
É de causar perplexidade a linha tênue entre a retórica ambientalista e a realidade do jogo de interesses. O recente discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU, pregando a descarbonização global, soou como música aos ouvidos daqueles que ainda acreditam no potencial do Brasil como líder na agenda verde mundial. No entanto, bastou um dia para que o tom mudasse. O presidente se reuniu, fora da agenda oficial, com o CEO da Shell, uma das maiores gigantes da indústria de combustíveis fósseis, para discutir a exploração de petróleo na foz do Amazonas. A reunião não só abalou o discurso feito na ONU, mas também expôs o verdadeiro plano em curso: o avanço da exploração de combustíveis fósseis em áreas sensíveis e pouco exploradas.
O relatório do INESC, que aponta a queda no orçamento da transição energética para 2025, evidencia que a prioridade está longe de ser o investimento em energias limpas. O orçamento, que já era insuficiente, passa de R$ 4,44 bilhões em 2024 para R$ 3,64 bilhões em 2025, enquanto se promovem discussões para novos poços de petróleo. Futuro sustentável, aparentemente, é apenas um discurso vazio, enquanto o petróleo segue sendo o carro-chefe da política energética.
A contradição é evidente. Na Climate Week, em Nova York, Lula se esforçou para vender uma imagem de um Brasil líder em sustentabilidade, acompanhado de figuras como Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Mas, simultaneamente, no Rio de Janeiro, ministros e executivos da Petrobras negociavam mais uma rodada de exploração de petróleo na foz do Amazonas. Como se não bastasse, o governo ainda afirma estar na “reta final” para liberar a licença ambiental que permitirá perfurações nessa região, desconsiderando os riscos ambientais e sociais.
Lula, em sua fala, tentou justificar a contradição ao afirmar que não podemos simplesmente abandonar os combustíveis fósseis sem uma alternativa viável. Mas não é justamente o papel do governo e de suas políticas públicas incentivar essa transição? É confortável manter-se atrelado ao petróleo, visto como fonte econômica imediata, enquanto o planeta grita por soluções sustentáveis. Quando o presidente fala que "não há contradição" entre defender a descarbonização e sentar-se com gigantes do petróleo, ele subestima a inteligência do povo brasileiro e desvia-se do compromisso que firmou com o futuro do país.
A exploração na foz do Amazonas, uma região ambientalmente delicada, torna-se o símbolo dessa escolha perversa. A insistência em investir em uma área onde quase cem poços já foram perfurados sem sucesso reflete não apenas um retrocesso, mas uma desconexão completa com as necessidades ambientais e econômicas de longo prazo. No “Saldão do Fim do Mundo”, nome dado ao evento Rio Oil and Gas por organizações climáticas, o Brasil reafirma seu compromisso com o velho e sujo modelo econômico. Executivos da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia falam em “quase final” para a liberação da licença de exploração. Para o governo, a preservação ambiental pode esperar.
O que vemos é um Brasil preso a um dilema histórico. Por um lado, um país com um potencial imenso para liderar a transição energética e construir uma economia verde; por outro, uma nação que sucumbe às pressões de indústrias fósseis, perpetuando a dependência do petróleo e das energias sujas. Ao invés de investir no futuro, prefere-se garantir o lucro imediato. Enquanto Lula e sua equipe buscam protagonismo nas cúpulas climáticas, dentro de casa se acena para petroleiras que já vislumbram uma nova fronteira de exploração.
O Brasil precisa urgentemente decidir qual caminho deseja seguir. A escolha, neste momento, parece ser clara: o país está disposto a sacrificar seu futuro ambiental em nome de uma economia que já deu sinais de esgotamento. Estamos, novamente, diante de um governo que promete muito e entrega pouco, que se encanta com o brilho do petróleo e negligencia a urgência da crise climática. O "Saldão do Fim do Mundo" não é apenas um evento da indústria petrolífera; é o reflexo de uma política energética míope, que escolhe repetir os erros do passado em vez de trilhar um novo caminho.
O que resta ao Brasil é um questionamento sério: quanto tempo mais teremos até que as consequências dessa escolha fiquem irreversíveis? Nosso tempo é curto, e a transição energética não pode continuar a ser adiada. Enquanto os líderes globais caminham para uma economia verde, o Brasil corre na direção oposta, segurando com firmeza o petróleo em uma mão e o futuro em risco na outra.
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