É preciso sair do lugar para ver o lugar. A mágica está no regresso, e é de cura esse processo.
Romance, drama familiar, perdas, medos, bullyng, luto, reencontros... tudo está aí. Uma obra que mescla drama histórico com romance contemporâneo e que provoca sororidade, ansiedade, curiosidade e um pouquinho de "raiva". Mas, também, oferece um cenário incrível e promove uma certa familiaridade em alguns aspectos, que a gente se sente parte de tudo que ali está exposto. Quem nunca teve medo de se machucar de novo. Quem teve a sensação de ter perdido alguma coisa em um tempo tão remoto, que nem é o seu tempo.
Camille é uma mulher moderna, independente, e batalhadora, apaixonada por fotografia, que após sofrer um trauma violento pela morte acidental de seu esposo, Jace, vê sua vida transformada em algo tão pacato que beira o tédio. Vive com sua filha Julie, uma adolescente que se descobre obrigada a viver o luto infinito de mãe e ao mesmo tempo lidar com a crueldade de seus colegas de escola e a falta da verdade sobre a morte de seu pai e o sufocamento de suas vontades que "acendem" em sua mãe memórias doloridas. O trauma familiar sufoca suas verdadeiras essências. Mas há traumas que nos chegam de outros... outros tempos.
Por conta de seu trabalho, como especialista em recuperação e revelação de filmes fotográficos, Camille conhece Finn, um historiador e pesquisador intrigante. O encontro dos dois é, inicialmente, confuso e trágico. Embora uma faísca tenha surgido. Esse fio da história parece não desenrolar, não ter sentido e chega a provocar uma certa ansiedade. Páginas demais para uma coisa que não chega a lugar a nenhum? Semelhança demais com tudo que se vê na realidade atualmente? Tudo isso e ainda mais, certamente!
O pai de Camille, já separado de sua mãe há anos, vive só e está com uma doença grave. Um personagem simpático e inteligente, solitário e muito elegante. A relação entre pai, filha e neta é de muito afeto e diálogo. Um pai- avô atento às questões mais profundas e sutis de suas pessoas mais importantes na vida: Camille e Julie. Há tantas semelhanças entre eles que vão sendo delicadamente abordadas ao longo da obra que ao avançar a leitura descobrimos que é na busca da compreensão dessas questões que os traumas vão se dissolvendo.
No início do livro, Julie sofre um pequeno acidente ao praticar esporte aquático, o que deixa sua mãe furiosa, é nesse momento que se descobre que a menina está sofrendo violência na escola, e que a mãe está muito focada em seu luto e trauma a tal ponto que sequer percebe as questões da filha. Por algum tempo temos a impressão que o ponto principal da obra será as violências que a filha sofre na escola, negligenciadas por quase todos, mas de repente o foco vai para o romance de Camille.
Enquanto o romance entre Camille e Finn está sendo o foco, uma certa apreensão e desencanto me invadiu. Por algumas páginas me pareceu uma tentativa de uma fraca referência a romances estilo Cristian Grey e Ana. Confesso, quase fiquei com raiva. Entretanto, ao refletir, mais adiante, podemos perceber que de fato, é isso que acontece: dia-a-dia situações de bullyng com os adolescentes são invisibilizadas por outras situações que, embora importantes, não deveriam se sobrepor as violências infringidas aos nossos filhos devido ao risco imenso que existe de desdobramentos trágicos quando não se dá plena atenção para isto.
O encantamento pela leitura ressurge quando o avô de Julie, Henry, descobre o que ela está passando e revela que sua infância foi marcada bullyng, por conta de ter sido filho de um apoiador do nazismo. Tal situação o levou a afastar-se de sua família, seus amigos, seus bens, e até de seu verdadeiro e grande amor, na França, sua terra natal, para recomeçar nos Estados Unidos. A história de Henry é cheia de mistérios e segredos. E esse paralelo com a fotografia é, no mínimo, charmoso. A vida é um mistério como a câmera escura e vai revelando-se aos poucos com muita magia.
Para ressignificar suas histórias e se distanciar de tudo que lhes faz sofrer, Camille, sua filha e seu pai vão passar o verão na França e com a ajuda de Finn dão início a uma aventura: pesquisar todo o passado de Henry. Aqui é revelado o mistério das heranças familiares. Não as heranças de dinheiro ou bens, mas a "epgênese". O gosto por aventuras, os medos, traumas, a inquietudes, as profissões (como Camille, sua avó paterna também gostava de fotografia). A mãe de Henry viveu um romance secreto enquanto era casa mas se com "Didier". Casamento que ocorreu por obrigação. De certa forma Henry seguiu essa "tradição", pois também se casou porque assim deve ser: as pessoas se casam.
Por fim, a busca pelo passado remexe de tal forma o presente que é quase uma constelação familiar: é um mapa para o coração! Muitas curas são promovidas em cada um dos personagens que fazem as pazes com seus desejos, seus sonhos, suas necessidades mais reais, seus medos e finalmente conseguem seguir adiante vivendo com certa honestidade sua essência.
Por Cléo Schneider
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