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O Carnaval é Negro, Mas Quem Manda Continua Branco

Da redação

Numa série de três matérias, a Pàhnorama vai entregar conteúdos sobre a atualidade do carnaval a fim trazer reflexão ao leitor.


O intérprete da Unidos de Padre Miguel, Bruno Ribas - Créditos: Eduardo Hollanda
O intérprete da Unidos de Padre Miguel, Bruno Ribas - Créditos: Eduardo Hollanda

Censura na Sapucaí? A imprensa sob vigilância da Globo e o apagamento da cultura negra no Carnaval

O Carnaval do Rio de Janeiro sempre foi símbolo de resistência, um grito de liberdade que ecoa desde os tempos da escravidão. Mas, a cada ano, parece que tentam calar um pouco mais essa voz. Agora, a imprensa especializada em samba enfrenta um novo obstáculo: está sendo monitorada pelo Grupo Globo, que controla a lista de veículos credenciados pela LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro).

Se você acompanha o Carnaval pela TV, pode até não perceber. Mas quem está na Avenida, quem sente o pulso da Sapucaí de perto, já sacou que alguma coisa mudou. Para "organizar" a cobertura, a LIESA reduziu drasticamente o número de jornalistas e fotógrafos autorizados a pisar na pista. E mais: os direitos de imagem adquiridos pela Globo agora impedem que os veículos credenciados publiquem qualquer vídeo curto dos desfiles – aqueles registros exclusivos que mostravam ângulos, detalhes e bastidores que a transmissão oficial não exibe.

O recado é claro: ou você joga o jogo das grandes corporações, ou, fica de fora. Quem ousar furar esse bloqueio tem seu conteúdo sumariamente deletado da internet, sob alegação de violação de direitos autorais.

Diante desse cerco, muitos canais independentes tomaram uma decisão radical: simplesmente não se credenciaram. Melhor assistir dos camarotes, frisas e arquibancadas e garantir a liberdade de cobrir a festa sem correr o risco de ter suas credenciais suspensas ou seus vídeos apagados.

Mas essa movimentação levanta um debate mais profundo: quem tem o direito de contar a história do Carnaval?

No Carnaval o Samba Resiste, Mas Até Quando?

Se controlar a narrativa já não fosse o bastante, o Carnaval de 2025 escancarou, mais uma vez, como a festa mais popular do Brasil segue refém de uma elite branca que quer o espetáculo, mas não quer a história.

Paulo Barros e o desprezo pelos enredos afro

O primeiro golpe veio de um dos carnavalescos mais premiados da atualidade, Paulo Barros, que recentemente desdenhou dos enredos afro. Segundo ele, são “repetitivos” e “já foram explorados à exaustão”. A fala não só ignora a riqueza infinita da cultura negra como também reforça uma lógica racista: a de que as histórias negras precisam ser limitadas, como se o Brasil já tivesse contado o suficiente sobre a própria ancestralidade.

Curiosamente, nunca ouvimos ninguém reclamar de enredos sobre Paris, Leonardo da Vinci, a Grécia Antiga ou Dom Pedro II. Mas quando se trata de exaltar reis africanos, quilombolas, divindades do candomblé e heróis negros da nossa história, aí já é “demais”.

Gabriel David e a elitização do samba

O segundo golpe veio do todo-poderoso Gabriel David, herdeiro do jogo do bicho e atual dirigente da LIESA. Sob sua influência, o Carnaval tem se transformado cada vez mais em um produto para a elite. Os ingressos para a Sapucaí ficaram ainda mais caros, o espaço para os sambistas das comunidades foi reduzido e as regras de transmissão favorecem as grandes mídias, limitando o alcance de veículos independentes que fazem um trabalho de resistência.

Em 2024, David já havia causado polêmica ao dizer que o Carnaval precisava de mais "entretenimento", como se o maior espetáculo a céu aberto do mundo precisasse ser “americanizado” para agradar quem vê de longe, sem sentir o chão da Avenida vibrar. Agora, com a restrição à imprensa e a padronização das transmissões, a tentativa de transformar o samba em um reality show para poucos se torna ainda mais evidente.

Ana Paula Minerato e o racismo sem disfarce

O terceiro golpe veio no formato mais escancarado possível: a ex-musa do Carnaval e ex-participante de reality show Ana Paula Minerato viralizou nas redes sociais ao expor seu racismo sem nenhum constrangimento. Em um vídeo amplamente compartilhado, Minerato fez comentários depreciativos sobre dançarinos negros e ainda se disse “cansada dessa militância no samba”.

O que espanta não é só a declaração – afinal, racismo estrutural no Carnaval não é novidade. O que assusta é a naturalidade com que ela se sentiu confortável para falar isso publicamente, sem medo de represálias.

E o mais triste? Não houve um posicionamento firme das escolas de samba, da LIESA ou de qualquer grande instituição do Carnaval condenando suas palavras.

Quem Está No Comando do Maior Espetáculo da Terra?

O que tudo isso tem em comum? A resposta é simples: quem ainda manda no samba continua sendo uma elite branca, que vê o Carnaval como um produto lucrativo, mas não como uma manifestação cultural de um povo.

Eles querem o brilho, mas não querem a história. Querem os aplausos, mas não querem as vozes que fizeram do samba um símbolo de resistência. Querem a Sapucaí lotada, mas querem a mídia controlada.

O apagamento da cultura negra no Carnaval não é coincidência. É projeto.

Mas o samba resiste. Sempre resistiu. E nós seguimos denunciando.

Afinal, se o Carnaval é do povo, quem decide os rumos dessa festa? E mais: até quando vamos permitir que essa cultura seja sequestrada por quem não respeita sua origem?

O som do tambor ainda ecoa, e enquanto houver batuque, haverá resistência.

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