Mesmo com avanços, o mercado da música segue dominado por homens em festivais, charts, direitos autorais e funções técnicas
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é um momento de reflexão, luta e, claro, celebração das conquistas femininas. Mas se tem um setor onde essa data precisa ser menos comemorativa e mais questionadora, é o da música. Porque, sejamos sinceros, a indústria fonográfica continua sendo um espaço onde as mulheres precisam cantar muito – e lutar ainda mais – para serem ouvidas.
Sim, elas dominam as paradas da indústria musical. Sim, elas lotam shows. Mas quando olhamos para os bastidores, os festivais, a distribuição de dinheiro e os cargos de liderança, o que vemos é um mercado que ainda trata o talento feminino como exceção, e não regra.
Trouxemos oito números que não deixam dúvidas: na música, a igualdade de gênero ainda é uma promessa longe de se cumprir.
1. Presença feminina nos charts: sucesso nos palcos, exclusão nos bastidores

Junho de 2024 marcou um feito histórico: pela primeira vez em quase cinco anos, seis mulheres estavam no top 10 da Billboard ao mesmo tempo. Taylor Swift, Rihanna, Lady Gaga, Britney Spears, Ariana Grande e Adele mostraram que o talento feminino é inegável e extremamente lucrativo.
Mas quem assina a produção dessas músicas? Quem está por trás dos painéis de som? A resposta vem com um balde de água fria: apenas 5,9% das faixas do Billboard Hot 100 em 2024 foram produzidas por mulheres, uma queda em relação aos 6,5% de 2023. Ou seja, enquanto elas brilham nos holofotes, a engrenagem do mercado segue operando sob o velho comando masculino.
2. Festivais de música: palcos dominados por homens
Nos festivais, a disparidade de gênero é ainda mais escancarada. Um estudo da pesquisadora Thabata Lima Arruda analisou 100 festivais brasileiros entre 2016 e 2023 e constatou que menos de 35% das atrações eram femininas.

E se o recorte for racial, a situação fica ainda mais alarmante. Em 2023, apenas 19,8% das artistas solo nos festivais eram mulheres negras, um tombo considerável em relação aos 26,1% de 2021.
A pandemia havia criado incentivos para a inclusão de artistas mulheres e negras, mas, com o fim dessas medidas, os festivais voltaram a priorizar homens – especialmente no Rap, onde as mulheres já enfrentam dificuldades de inserção.
3. Direitos autorais: dinheiro na mão dos homens
Quando o assunto é grana, a desigualdade escancara sua face mais cruel. Em 2022, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) revelou que, dos 901 milhões de reais distribuídos a compositores e artistas, apenas 7% foram para mulheres. Isso significa que cada uma recebeu, em média, 350 mil reais, enquanto os homens ficaram com 700 mil reais cada.
O relatório "Mulheres na Música", divulgado pelo Ecad em 2023, apontou que apenas 8% dos valores distribuídos para pessoas físicas foram para mulheres. Houve um aumento de 45% em relação a 2021, mas, proporcionalmente, a disparidade continua gritante.
4. Homens pretos avançam, mulheres pretas ficam para trás
Enquanto a presença feminina negra nos festivais oscila, os homens pretos têm ganhado cada vez mais espaço. Em 2023, eles representaram 30,6% dos artistas solo nos festivais, um crescimento expressivo.
Mas e as mulheres? Em 16 festivais com menos de 30% de mulheres, seis eram dedicados ao Rap – e quatro deles não tiveram sequer UMA mulher no line-up.
Mesmo com uma cena vibrante de mulheres no Rap e Trap, com nomes como Karol Conká, Drik Barbosa, Ajuliacosta e Duquesa, elas continuam sendo ignoradas por curadores e contratantes.
5. Mulheres em funções técnicas na indústria musical: um campo invisível para elas
A desigualdade de gênero no mercado da música não se limita aos palcos. Atrás das cortinas, a presença feminina em funções técnicas é quase inexistente.
Um relatório da Women’s Audio Mission revelou que apenas 5% das pessoas que trabalham em engenharia de som e produção de áudio são mulheres. Quando falamos de roadies e técnicas de iluminação, esse número despenca para menos de 2%.
Sem acesso a capacitação e com poucas oportunidades, as mulheres são praticamente barradas dessas funções, perpetuando um mercado exclusivamente masculino nos bastidores da música.
6. Assédio e discriminação: um problema estrutural
E como se já não bastassem os obstáculos profissionais, as mulheres na música ainda precisam lidar com a hostilidade do ambiente de trabalho.
Uma pesquisa da União Brasileira de Compositores (UBC), feita em 2021, revelou que 79% das mulheres na indústria já sofreram discriminação de gênero. Relatos incluem assédio moral e sexual, desvalorização profissional e exigências de que adotem uma imagem hipersexualizada para ganhar espaço.
Além disso, 53% das entrevistadas nunca receberam direitos autorais, e 51% ganham no máximo 800 reais por ano com essa fonte de renda. Em outras palavras, a carreira musical, para muitas mulheres, ainda é um sonho sem sustentabilidade financeira.
7. Mulheres no topo? Só se for na plateia
Nos bastidores da indústria, os cargos de chefia continuam sendo ocupados, majoritariamente, por homens. O relatório Women in Music, de 2022, apontou que apenas 21% dos cargos executivos em gravadoras e distribuidoras são ocupados por mulheres.
E quando olhamos para os postos de CEO e presidente, o número cai ainda mais: apenas 13% das principais gravadoras do mundo têm uma mulher no comando.
8. Luz no fim do túnel: iniciativas que estão mudando o jogo

Se por um lado os números revelam um cenário desanimador, por outro, há iniciativas tentando reverter essa realidade.
Festivais como o Primavera Sound e o Rock the Mountain têm apostado em line-ups majoritariamente femininos. Nos Estados Unidos, a Fender revelou que 50% dos novos guitarristas são mulheres, graças ao impacto de artistas femininas e campanhas de marketing mais inclusivas.
Projetos como female: pressure também têm ganhado força, conectando mulheres DJ's e produtoras ao redor do mundo, ampliando suas oportunidades na música eletrônica.
Mais do que um dia de homenagens, um chamado para ação
O Dia Internacional da Mulher é sempre repleto de homenagens, flores e discursos bonitos. Mas, no mercado da música, os dados mostram que ainda há muito a ser feito para garantir que mulheres tenham as mesmas oportunidades que os homens.
A boa notícia? O público está atento. As artistas estão mais fortes do que nunca. E a indústria começa, mesmo que lentamente, a entender que não dá mais para ignorar o talento feminino.
Agora, é questão de tempo – e de pressão – para que o mercado da música seja, de fato, um lugar para todos.
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