Estávamos no início da década de 1970 do século passado. Eu tinha de 8 a 10 anos. Minha mãe e minha tia eram fãs de uma atriz mexicana chamada Sarita Montiel, e um dos cinemas de Petrópolis, RJ (o Art-Palácio) estava exibindo um filme dela.
À época, o cinema era a grande diversão. Havia até um slogan de uma grande rede exibidora que dizia o seguinte: “Cinema é a maior diversão”. E era mesmo!
Quase toda semana, eu e meus amigos íamos ao cinema. Por mais de uma vez até. Havia próximo à minha casa um cinema de apenas 60 lugares, chamado Mini Cinema. Ficava numa galeria comercial. Foi lá que assisti a várias produções da Disney e também às comédias estreladas por Jerry Lewis, só para ficar nestes dois exemplos. E também havia outras tantas salas de exibição aqui na Cidade Imperial, todas sempre lotadas e com fila na porta. Bons tempos de infância, adolescência e juventude a bordo de comédias, aventuras, filmes-catástrofe, dramas, desenhos animados etc.
Voltemos, no entanto, ao beijo gay que dá título a essa crônica.
Era comum, naquele tempo, os cinemas exibirem sessões duplas. Pagava-se um ingresso e assistia-se a dois filmes. O da Sarita Montiel era o segundo. Por isso, minha mãe e minha tia entraram no cinema com o primeiro filme – um bang-bang – já na parte final. E eu estava com elas, é claro! Provavelmente, minha mãe não teve com quem me deixar e me levou a tiracolo.
Filmes de cowboys eram, então, muito apreciados pelo sexo masculino. O cinema, portanto, estava lotado de homens de idades variadas. Uns acompanhados das esposas ou namoradas; outros, em bando. A popular galera de rapazes que, após a sessão, ia comer hambúrguer numa lanchonete da moda.
Sentamo-nos e começamos a assistir àquele western sem sabermos direito do que se tratava. Lembro-me que havia um sujeito bem malvado, líder de um grupo de bandoleiros. Ele perseguia um personagem que devia ser o mocinho da história. Vivia repetindo o nome dele, bem me recordo.
Numa cena, esses bandidos estavam num local em que, pelo que deduzi, havia aliados do mocinho. Depredaram o lugar, atiraram em alguém, bateram em outro e por aí vai. Quando terminou a pancadaria, o líder dos malvados bradou novamente o nome de mocinho, ficou frente a frente com um dos integrantes do bando e, do nada, deu o maior beijo de língua nele!
O cinema veio abaixo! A homarada gritou, vaiou, assobiou, riu... Foi uma algazarra só! Eu, garoto ainda, tomei um susto! Minha mãe e minha tia ficaram caladas, mudas, estáticas! E tão assombradas e escandalizadas que jamais tocaram no assunto comigo.
Logo depois, o bang-bang terminou, o cinema deu uma esvaziada e teve início a exibição do segundo filme, estrelado pela atriz mexicana. Finda a sessão, fomos para casa e o assunto morreu.
Quando a questão da homossexualidade dentro e fora das telas começou a ser recorrente e a polêmica de exibir ou não beijo gay em novelas ganhou as discussões, eu, já adulto e formado, lembrei-me desse inusitado episódio e comecei a indagar: – Como, em plena ditadura militar, a censura deixou passar um filme com um beijaço daqueles entre dois barbados interpretando machos viris? Como o pessoal do cinema permitiu que eu entrasse, embora acompanhado de duas mulheres adultas? E – a pergunta mais importante – que filme era aquele? Não guardei o nome, mas gostaria de saber. Afinal, foi meu primeiro beijo gay.
Marcelo Teixeira
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