EXCLUSIVO: Entrevista com a Cientista e Ambientalista Karin Brüning Sobre o Futuro Ambiental do Brasil, Uma crise que transcende o fogo e revela as raízes profundas do desmatamento e do agronegócio
O cenário que o Brasil enfrenta em 2024 é de um país queimando por todos os lados. Em meio a uma das maiores crises ambientais das últimas décadas, o número de incêndios registrados bateu recordes alarmantes. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre 1º de janeiro e 6 de setembro, o país já somava 152.383 focos de incêndio – um aumento expressivo de 103% em relação ao período homólogo. Desde 2010, não se via uma quantidade tão assustadora de ocorrências. A situação, porém, piorou ainda mais entre os dias 9 e 10 de setembro, quando o Brasil registrou 5.132 novos focos de incêndio, concentrando quase 76% das áreas afetadas pelo fogo em toda a América do Sul.
O Cerrado ultrapassou a Amazônia em focos, com 2.489 incêndios apenas nesse período. Esse bioma, conhecido por sua biodiversidade, é também o palco de grande parte da ação humana devastadora que está moldando um futuro incerto para as próximas gerações.
A pergunta que surge, inevitavelmente, é: por que o Brasil está queimando dessa forma? Para responder a essa questão, é necessário ir além das chamas visíveis e entender os fatores que alimentam essa destruição.
O efeito das mudanças climáticas e fenômenos naturais
O aquecimento global, que já mostra seus efeitos devastadores ao redor do mundo, é apontado como uma das principais causas do aumento das queimadas no Brasil. “Quando falamos em limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C até 2100, essa meta já não é realista para o Brasil”, explica Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). Para ele, o país já ultrapassou essa barreira, e os efeitos são maiores do que o esperado. O fenômeno El Niño, que aquece as águas do Pacífico e aumenta as temperaturas globais, exacerbou a seca e a degradação ambiental no Brasil. O La Niña, por sua vez, impede que a umidade vinda do Atlântico chegue ao interior do continente, aumentando ainda mais a seca no Cerrado e na Amazônia.
Menos chuvas durante o verão na Amazônia, outro fator climático, reduzem a evapotranspiração que, normalmente, levaria umidade para outras regiões. O resultado? Um Brasil mais seco, vulnerável e, sobretudo, inflamável.
O papel do agronegócio
Se os fatores climáticos são uma peça importante desse quebra-cabeça, o agronegócio e o desmatamento desenfreado são o estopim para que a situação saia de controle. No Cerrado, por exemplo, o agronegócio focado na formação e renovação de pastos tem sua parcela de responsabilidade. Conforme o economista agrícola e ambientalista Jean-Marc von der Weid, “no Cerrado, o desmatamento é mais simples e brutal, com o uso de fogo sobre diretamente a vegetação primária, que não oferece madeira valiosa para exploração”. A vegetação menos densa, característica do bioma, facilita o processo de queima, transformando a paisagem em cinzas para dar lugar a pastagens.
As queimadas, no entanto, não afetam apenas a natureza. O próprio agronegócio, principalmente os setores do sul e sudeste, que dependem de um equilíbrio ambiental, estão sentindo os impactos. Mesmo assim, setores da agroindústria continuam a apoiar medidas que facilitam a destruição dos biomas, ignorando os alertas dos especialistas sobre os efeitos colaterais a longo prazo. Nos últimos 35 anos, 71 milhões de hectares de floresta amazônica foram convertidos em pasto, concentrando quase metade do rebanho bovino brasileiro, que hoje soma mais de 216 milhões de cabeças de gado.
Crimes ambientais e a falta de controle
Embora os fatores climáticos e econômicos sejam fundamentais para entender a crise dos incêndios no Brasil, o crime ambiental também é uma realidade inegável. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi claro ao apontar que parte das queimadas tem origem criminosa. “Esse fogo é criminoso. É gente tentando destruir este país”, afirmou o presidente ao mencionar que 85% das propriedades afetadas no Pantanal são privadas.
O governo federal, por meio da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), anunciou que está mobilizado para enfrentar o problema. Além do combate direto às chamas, estão sendo realizadas investigações policiais para identificar os responsáveis. Atualmente, a Polícia Federal conduz 52 inquéritos para apurar crimes ambientais e atividades associadas, como lavagem de dinheiro e o envolvimento de organizações criminosas.
O que está em jogo
A devastação causada pelas queimadas no Brasil vai além das fronteiras físicas. Ela coloca em risco a biodiversidade única do país, afeta as populações tradicionais e indígenas, compromete a qualidade do ar nas grandes cidades e prejudica a reputação internacional do país, que já sofre pressão por ações mais incisivas em relação à preservação ambiental.
No entanto, a questão é ainda mais profunda. Hoje, o que se vê nas florestas e savanas brasileiras é o reflexo de um modelo de desenvolvimento que negligência o meio ambiente em prol de interesses imediatos. O fogo que queima os biomas brasileiros, não é apenas o fogo literal, mas o resultado de políticas públicas frágeis, de uma fiscalização insuficiente e de uma ganância que, a cada ano, consome mais hectares de terra – e de futuro.
Está em jogo, afinal, não apenas o presente, mas a herança que deixaremos para as próximas gerações. E se a Terra está queimando, é porque ainda estamos aprendendo a valorizar o que temos antes que seja tarde demais.
Uma Cientista Entre o Fogo e a Esperança: A Visão de Karin Brüning Sobre o Futuro Ambiental do Brasil
Em meio à pior crise ambiental que o Brasil enfrenta em décadas, a cientista e ambientalista Karin Brüning surge como uma voz firme e esclarecedora. Com uma trajetória marcada por conquistas científicas, especialmente no desenvolvimento de medicamentos revolucionários contra doenças virais como a Aids e a Hepatite C, Karin agora concentra seus esforços em uma batalha diferente, mas igualmente urgente: a preservação do meio ambiente. Fundadora da Play Recycling, uma plataforma inovadora de educação ambiental, ela acredita que o caminho para um futuro mais verde começa com a conscientização e o engajamento das novas gerações.
Nesta entrevista exclusiva, Brüning fala sobre a gravidade das queimadas no Brasil, a ineficácia das políticas públicas de controle e a necessidade urgente de uma mudança profunda na forma como o país lida com seus recursos naturais. Ela também aponta a importância de políticas de incentivo à sustentabilidade no agronegócio, defendendo que, assim como o Brasil se industrializou, ele também pode se tornar um líder em práticas ambientais conscientes.
Pàhnorama:
Com o aumento recente dos incêndios no Brasil e as políticas ambientais em vigor, como o(a) senhor(a) avalia a eficácia das ações federais no controle das queimadas e na proteção dos biomas, especialmente considerando o impacto das áreas privadas?
Karin Brüning:
A ilha do Bananal está queimando desde julho e somente no sábado foi noticiado que o exército irá ajudar a combater o incêndio. A ilha do Bananal é a maior ilha fluvial do mundo e o encontro de 3 biomas importantes: Cerrado, Pantanal e Amazônia. Os governos, municipais, estaduais e federais, precisam se conscientizar de que vivemos uma nova realidade climática, que demanda prevenção e ações rápidas.
Pàhnorama:
O governo afirma que está agindo para enfrentar as queimadas, mas o desmatamento e o uso do fogo parecem continuar a aumentar. O(a) senhor(a) acredita que as medidas, como a investigação de crimes ambientais, estão funcionando ou ainda são insuficientes?
Karin Brüning:
São insuficientes. O que o Brasil precisa é de conscientização, através da educação. É importante que as pessoas saibam que o meio ambiente está dentro de nós e quando causamos destruição, mesmo visando benefícios imediatos, com o tempo as consequências desse ato também nos afetarão e de forma muito mais violenta. Um criminoso ambiental também respira e não pode escolher o ar que irá respirar, terá que respirar o que está disponível. Investigar os crimes é necessário, mas é mais uma ação reativa ao que já aconteceu. Temos que cuidar da população como um todo, para que mesmo o mais humilde entenda que queimar o lixo é colocar em risco a própria casa dele em tempos de seca.
Pàhnorama:
O agronegócio continua a expandir suas áreas, contribuindo para o desmatamento em biomas como o Cerrado e a Amazônia. Na sua visão, as políticas governamentais estão incentivando ou limitando essa expansão, e como o senhor vê o papel do governo nesse contexto?
Karin Brüning:
Como disse a ministra Marina Silva: queríamos criar um país industrializado e criamos, se queremos ter um país ambientalmente sustentável, também temos que criar. E o que o governo fez no passado? Subsídios e incentivos. Já existem conhecimento e tecnologia disponíveis para o desenvolvimento de culturas sustentáveis e rentáveis. Se o agronegócio for estimulado na direção certa, para investimentos considerando uma nova realidade climática e a saúde de todos nós, os investimentos irão para práticas mais sustentáveis.
Pàhnorama:
Recentemente, o presidente mencionou a responsabilidade de agentes privados e ações criminosas como fatores centrais para os incêndios. No entanto, políticas de flexibilização ambiental e cortes nas verbas de fiscalização continuam. Como o(a) senhor(a) avalia essa divergência entre o discurso e as ações do governo?
Karin Brüning:
Governar um país como o Brasil não é uma tarefa fácil, no entanto, colocar a responsabilidade em outros, sem que haja uma política estruturada de prevenção, cujos pilares sejam: educação ambiental, incentivos econômicos a práticas sustentáveis no agronegócio e fiscalização sistemática contra crimes ambientais, me parece uma tentativa de desviar o foco do que realmente precisa ser feito. Infelizmente essa divergência é uma atitude de governos há décadas no nosso país, que, obviamente, o meio ambiente não está mais suportando.
Por Ana Soáres
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