Justo e que isso sirva como exemplo, porque o racismo é um tipo de vandalismo, só que em vez de danificar cidades, danifica pessoas.
Por Silver Marraz
Acho que milhares de pessoas não entenderam quem são os negros deste país. Parece
que não se deram conta de que todos somos humanos e que nenhum de nós, pretos, atuamos na sociedade como escórias ou aqueles que se servem do poder para obter lucros. Na história mundial, o povo preto edificou nações e, além disso, apesar de todas as explorações sofridas, mostrou que não este não é um mero reprodutor ou aqueles cujos corpos servem para sexo e trabalho braçal. Entregam-se à burrice e ignorância absoluta aqueles que desconhecem que os negros também criaram a lâmpada elétrica incandescente, o semáforo, o filtro de ar para carros, a escova de cabelo, o refrigerador moderno, o sistema de segurança a partir de fechaduras e portas, a escada portátil, a cadeira de rodas ajustável, o alfinete de segurança, o pneu de carro, o microfone de carbono, o processador de alimentos, a tecnologia de polígono de segurança, entre tantas outras invenções, como o blues, o soul e o jazz.
Recentemente, veio à tona um episódio de racismo protagonizado por estudantes do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Esse caso, lamentável sob todos os aspectos, levanta questões importantes sobre o papel das universidades na formação de cidadãos comprometidos com a igualdade, o respeito às diferenças e a justiça social. Em um curso que, em tese, deveria preparar futuros operadores do Direito para garantir o cumprimento da Constituição e a defesa dos direitos humanos, deparamo-nos com atitudes que evidenciam a persistência de preconceitos estruturais em nossa sociedade.
O ambiente universitário, especialmente em cursos como o de Direito, é concebido como um espaço de debate e de aprendizado que deveria promover o progresso intelectual e ético dos seus integrantes. No entanto, a atitude dos estudantes envolvidos demonstra que o racismo, longe de ser um problema superado, está profundamente enraizado em diversas camadas da sociedade, inclusive entre aqueles que, teoricamente, possuem maior acesso à educação de qualidade. O episódio em questão não é um caso isolado, mas um reflexo das desigualdades históricas e culturais que moldam o Brasil desde a sua fundação.
O racismo, muitas vezes mascarado sob formas de “brincadeiras” ou comentários naturalizados, ganha espaço em contextos como este devido à omissão de instituições e à complacência de alguns grupos sociais. A universidade, ao longo de décadas, tem sido palco de práticas de exclusão que, embora muitas vezes sutis, reforçam barreiras invisíveis que mantêm estudantes negros e de outras minorias em condições de vulnerabilidade. Não é suficiente apenas abrir portas para esses alunos por meio de políticas de cotas ou ações afirmativas; é preciso garantir que eles encontrem um ambiente verdadeiramente acolhedor e inclusivo, livre de preconceitos.
Neste episódio, o que mais choca é a contradição entre a formação jurídica oferecida e as atitudes preconceituosas de alguns de seus estudantes. Afinal, o curso de Direito deveria se basear nos princípios de igualdade e dignidade humana, pilares fundamentais da Constituição Federal. Como podemos esperar que esses futuros juristas lutem pela justiça, se, em seu período de formação, são coniventes ou protagonistas de atitudes que perpetuam a discriminação racial? A resposta não está apenas em condenar os envolvidos, mas em refletir sobre o que permitiu que essas atitudes florescessem em um ambiente que deveria combater tais práticas.
As universidades, especialmente as de renome, têm o dever de ir além da mera transmissão de conhecimento técnico. É preciso educar para a cidadania, formando profissionais não apenas competentes, mas também conscientes de seu papel na construção de uma sociedade mais justa. Infelizmente, muitos cursos ainda negligenciam disciplinas ou debates que abordem questões sociais como o racismo, a desigualdade e os direitos humanos. Quando tais temas aparecem, muitas vezes são tratados de forma superficial, como se fossem questões menores ou desvinculadas da prática jurídica.
A formação jurídica precisa incorporar, de maneira central e não periférica, o ensino de questões sociais e históricas que ajudam a entender o Brasil de hoje. O racismo, por exemplo, não pode ser tratado como um problema do passado. Ele está presente nas relações sociais, nos espaços de poder e na estrutura do sistema de Justiça. Sem uma compreensão profunda dessas questões, os futuros operadores do Direito correm o risco de perpetuar as mesmas práticas excludentes que juraram combater.
Além disso, a postura das instituições de ensino diante de casos como este é fundamental. Não basta emitir notas de repúdio ou punir os envolvidos individualmente; é necessário que a universidade reconheça sua responsabilidade no combate ao racismo estrutural e promova mudanças profundas em sua cultura interna. Isso inclui a criação de canais efetivos para a denúncia de discriminações, a revisão de currículos e a implementação de iniciativas educativas que promovam a empatia, a diversidade e o respeito.
Por outro lado, é imprescindível que a sociedade como um todo se envolva no debate. O racismo não é um problema restrito às universidades ou a determinados grupos; ele está enraizado em todas as esferas da vida social. Combater o racismo exige a participação ativa de indivíduos, organizações e instituições, em um esforço coletivo para desconstruir preconceitos e criar um ambiente mais igualitário para todos.
Este caso também nos leva a refletir sobre o impacto da representatividade. A presença de estudantes negros em cursos de elite, como o de Direito, é fundamental para desestabilizar estruturas racistas e desafiar narrativas de exclusão. No entanto, sua mera presença não é suficiente. É preciso que essas vozes sejam ouvidas e valorizadas, e que as barreiras simbólicas e materiais que dificultam sua permanência sejam enfrentadas com seriedade.
O episódio envolvendo os estudantes de Direito da PUC não é apenas um escândalo isolado; ele é um chamado à ação. É um lembrete de que o combate ao racismo deve ser contínuo, sistemático e incisivo. É também um convite para repensarmos o papel da educação, especialmente da educação superior, na formação de uma sociedade mais justa e igualitária. Não podemos aceitar que os espaços acadêmicos, sobretudo aqueles voltados à formação de profissionais que terão a responsabilidade de aplicar as leis e garantir direitos, sejam coniventes com práticas de discriminação.
A justiça social começa na sala de aula, nos debates, nas interações cotidianas. Se falharmos em transformar esses espaços, estaremos falhando em transformar a sociedade como um todo. Não podemos mais tolerar o racismo, especialmente em locais que deveriam ser os bastiões da justiça. A formação jurídica deve ser sinônimo de compromisso com a igualdade e a dignidade humana. Qualquer coisa menos do que isso é uma traição aos valores que sustentam a nossa democracia e uma afronta aos mentores dos PRETOS representados por não menos que Nelson Mandela, Martin Luther King Jr., Rosa Parks, Malcolm X, Muhammad Ali, W.E.B. Du Bois, Harriet Tubman, Kwame Nkrumah, Frantz Fanon, Langston Hughes, Luiz Gama, Dandara, Machado de Assis, Abdias do Nascimento, Carolina Maria de Jesus, Benedita da Silva, Gilberto Gil, Conceição Evaristo e o IMPÁVIDO ZUMBI DOS PALMARES.
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