Por Cléo Schneider
Uma narrativa nada linear, onde as histórias vão se misturando, tudo é confuso e estranho, e a gente se sente meio que perdido, confuso, oprimido. É assim mesmo. Claudia é a personagem que, reclusa em presídio manicomial, em uma consulta psiquiátrica, vai narrando suas histórias. Talvez não tão suas, não só suas. O grito grudado na garganta, há tanto, tanto, tanto tempo, soltou-se!? Começou na infância… começou. Parou quando? Parou? O grito sufocado, abafado, engolido, ferindo, rasgando a garganta e a alma. A dureza de perder a confiança daqueles que, até ali, eram nossos guardiões. A estranheza do desconhecido, proibido… culpada! O silêncio imposto sob pena de perder vínculos sagrados. Um corpo maculado, uma alma rasgada, um ciclo, século, incrédula, insegura, desfigurada.
Uma vergonha, medo, dor, culpa, medo, segredo, culpa, vergonha, medo, pavor, horror… e uma longa história da humanidade marcada, manchada e desonrada pela violência contra a mulher.
Mas não somente contra a mulher. Quando o assunto é violência sexual, ou violência doméstica, perde-se a noção de limite e alcance da perversidade humana. A sensação de impotência que tomou conta de mim ao ler “Peixes”, de Ana Regis, foi insuportável.
Além de sentir em mim a mesma a dor daquela mulher, Cláudia, penalizada de todos os modos possíveis a partir de uma violência sexual quando era ainda criança, fui tomada de imensa compaixão, por ela, pelas pessoas que ainda hoje, independente do gênero, sofrem violência sexual. Pela violência em si, que é repugnante, pelo sistema de defesa que é falho, que é frágil, o qual é até vil, porque se debruça sobre sua viciada burocracia em detrimento do urgente cuidado às vítimas.
É preciso gritar, é urgente falar, é demasiado urgente cuidar das pessoas que sofrem violência e urgentíssimo humanizar todas as pessoas que estão em todas as pontas do atendimento à saúde das vítimas de violência. Violadores e violados estão em todas as partes. Como os peixes estão em todas as partes.
Sobre a autora:
Ana Regis é de Belo Horizonte, nascida em 1970, feminista, mãe do Davi e da Maria, atriz e dramaturga. Inicia seu trabalho em teatro em 1988 e se profissionaliza em 1993. Em 2000 assina seu primeiro texto teatral em processo colaborativo na Oficina de Dramaturgia do Galpão Cine Horto, sob a supervisão de Luiz Alberto de Abreu. A partir de 2001, inicia uma aproximação com o audiovisual, alternando as funções de atriz, produtora, pesquisadora e preparadora de elenco. Recentemente teve seu primeiro roteiro para cinema aprovado em leis de Incentivo, o qual também dirigirá.
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