Lealdade, justiça e ambição se misturam na trajetória de Viviane, personagem de Naruna Costa em ‘Beleza Fatal’, novela da Max escrita por Raphael Montes. Ex-policial, Vivi começa a trama determinada a desmascarar os crimes da poderosa família Argento, mas, ao entrar nesse jogo, percebe que a linha entre certo e errado é mais tênue do que imaginava. Para sobreviver, ela se torna tão implacável quanto aqueles que um dia jurou combater. Sua relação com Lola (Camila Pitanga), marcada por desejo, traição e uma explosão no sentido literal, adiciona ainda mais camadas a essa mulher cheia de conflitos.
Com uma carreira que transita entre teatro, TV e streaming, Naruna Costa entrega mais uma performance intensa. Indicada ao Prêmio Shell como melhor diretora, a atriz e diretora fala sobre a experiência de viver Viviane, os desafios da representação negra na dramaturgia e a pressão estética no meio artístico.

Confira a entrevista exclusiva com Naruna Costa, a Viviane de 'Beleza Fatal':
João Guedes - No início de ‘Beleza Fatal’, Viviane parece ser uma heroína, uma grande pedra no sapato dos Argento, mas sua ambição acaba falando mais alto, e ela se transforma em uma verdadeira bandida. Você consegue defender a Vivi?
Naruna Costa - Consigo defender a Vivi, pois acho que ela não deixou morrer seu instinto de justiça. No início, ela fazia as coisas dentro da lei, tentando agir corretamente. Acredito que tenha se comovido muito com a morte de seu colega de trabalho (Rubens - Reinaldo Júnior), mas ela faz parte de uma corporação marcada por muita corrupção, já que os profissionais dessa área são pouco valorizados. É um caminho muito tentador, né? Para mim, ela não tinha saída: mudou de vida ao entrar para a casa dos Argento, talvez com a intenção de lidar com esse caso de uma forma particular. Afinal, se tivesse recusado trabalhar para os Argento, provavelmente não estaria mais viva. Sua decisão de aceitar não foi apenas por ambição, mas também para salvar a própria vida.
João Guedes - O que mais te atraiu nesse papel?
Naruna Costa - Acho que há um lugar de humanidade nela; não é uma personagem rasa nem uma heroína com princípios rigidamente atrelados à ideia de justiça. Ela está conectada com a realidade. No caminho, acaba encontrando a Lola, e acredito que se apaixone. Depois de ter ficado viúva, de repente, encontrou ali um novo amor. Quando percebeu que não era recíproco, decidiu seguir em frente e focar na justiça, mas não teve tempo, porque Lola a explodiu.
João Guedes - Sua personagem enfrenta dilemas intensos em meio a uma trama de vingança e poder. Como foi construir essa mulher cheia de camadas, que ainda por cima se apaixona pela grande vilã?
Naruna Costa - Construir essa personagem foi uma experiência deliciosa. O Raphael Montes tem essa marca de criar personagens com muitas camadas, o que é muito instigante, porque nos tira desse lugar superficial da criação — algo que considero meio desumano, distante da realidade, sem pé no chão. A Viviane é uma mulher cheia de facetas, e, na minha opinião, todas elas são críveis. Acho que sua trajetória nos faz refletir sobre que decisão tomaríamos se estivéssemos em seu lugar.
Trazer essa profundidade e subjetividade a uma mulher tão passional foi um grande desafio. Para um ator, isso é algo muito prazeroso. Ser artista vai além de enxergar a profissão apenas como um trabalho; acho que doamos muito de nós mesmos. Cavucar dentro de mim esse lugar de enfrentamento, de estar diante de uma decisão tão ambiciosa, de interpretar alguém que arriscou a própria vida por uma paixão e por essa nova realidade, me levou a um espaço de muita reflexão e entrega emocional.
Tive o privilégio de contar com uma equipe incrível. A Ana Kutner fez a nossa preparação, e a diretora Maria de Médicis, junto com todos os outros diretores com quem trabalhei, me ajudou muito nesse processo. Sem falar na Camila Pitanga, que é uma grande parceira — uma colega de trabalho maravilhosa, extremamente dedicada, generosa e companheira.
João Guedes - A pressão estética é uma realidade para muitas mulheres, especialmente no meio artístico. Como você lida com isso?
Naruna Costa - A questão da aparência pesa muito, né? Acho que temos uma visão muito influenciada por uma estética padronizada, que nem sempre é uma estética que me agrada ou que eu acho bonita. Mas, de alguma forma, esse padrão imposto pelas clínicas de estética, pelos cirurgiões plásticos e pela televisão acaba influenciando nosso dia a dia. É uma luta diária, né? As mulheres precisam se olhar no espelho e aprender a se gostar com o passar do tempo, e isso exige um grande exercício.
Sou uma atriz de 42 anos e vivo isso cotidianamente, inclusive em outras fases da vida, quando era mais jovem. A gente tem que estar sempre lutando contra essa visão padronizada, que não necessariamente representa uma beleza real. O mais importante é conseguir se olhar no espelho e se reconhecer como bonita, do jeito que somos, com a pele que temos, e tentar envelhecer com saúde, enxergando beleza no passar dos anos. Mas não é fácil, porque o ‘monstro’ da estética está sempre pairando sobre a nossa vida.

João Guedes - Você tem construído uma trajetória marcante no streaming e na TV, com trabalhos como ‘Irmandade’ (Netflix), ‘Todas as Flores’ (Globo) e ‘Sutura’ (Prime Video), além de projetos que ainda vão estrear. Como enxerga essa evolução na sua carreira nos últimos anos?
Naruna Costa - Sou muito grata pela minha trajetória, porque realmente fui agraciada. Consegui construir um caminho profissional sem precisar abrir mão das frentes de trabalho que amo de paixão. Sou do teatro de grupo, do teatro político em São Paulo, e tenho um trabalho muito enraizado com o grupo ‘Clariô’, além de tantos outros projetos dos quais faço parte. Acabei de receber uma indicação ao Prêmio Shell como melhor diretora, e tenho sido muito feliz em cada projeto que realizo.
Tenho conseguido fugir dos estereótipos destinados às mulheres negras e construir um espaço de representatividade. Muitas mulheres e atrizes negras me veem como uma referência hoje — e ainda bem, porque precisamos de mais referências de mulheres negras traçando caminhos diversos, profundos e cheios de subjetividade. Sinto-me muito honrada com minha trajetória e sei que ela não é fruto apenas do meu esforço, mas também do momento de luta e busca por equilíbrio na forma como mulheres negras, indígenas e periféricas são representadas na mídia.
Essa caminhada não começou comigo. Ela foi pavimentada por grandes nomes como Ruth de Souza, Zezé Motta, Léa Garcia e Taís Araújo. Sei que faço parte de um percurso que ainda está longe de ser equilibrado em relação às atrizes brancas, mas é um caminho de muita luz, acolhimento e conquista.
João Guedes - Sua presença em grandes produções reflete um avanço na representatividade negra na dramaturgia. Você percebe mudanças concretas na indústria? Ainda há desafios a serem superados para ampliar esse espaço?
Naruna Costa - Percebo mudanças, mas acho que os avanços ainda são muito lentos. Parece que acontecem em ondas, sem uma presença realmente consolidada, sabe? É claro que houve progresso — hoje vemos inúmeras produções protagonizadas por mulheres e homens negros —, mas existe um fator que marca muito esse tempo: a grande rotatividade. Isso é importante, mas poucas pessoas negras estão sendo realmente marcadas na história. Há uma melhoria, mas tudo ainda é muito frágil.
E quem são as pessoas negras que estão ocupando espaços por trás das câmeras? Acho que ainda são poucas, e esse cenário pode e deve melhorar muito. Mas, apesar dos desafios, precisamos reconhecer que houve avanços nos últimos dez anos, por exemplo.
João Guedes - Tirando a Viviane, se pudesse escolher outro papel para interpretar em ‘Beleza Fatal’, qual seria?
Naruna Costa - Ah, tirando a Viviane, que eu amo muito… Acho que essa é uma das características mais interessantes do Raphael Montes: ele cria personagens muito cativantes. Um personagem que eu me divertiria fazendo é a Elvirinha, porque ela tem esse lado cômico, né? E isso me encanta.
Claro que a Lola também tem humor, mas acho que a Elvira tem essas camadas muito sutis e ao mesmo tempo nada sutis, que me agradam muito. Sinto que, neste momento da minha vida, me divertiria demais interpretando ela.
João Guedes - Uma das cenas mais chocantes da novela é o desfecho da sua personagem, que acaba explodindo dentro de um carro rosa. Foi uma sequência intensa! Para você, qual foi a cena mais desafiadora de interpretar?
Naruna Costa - Essa, sem dúvida, foi uma sequência desafiadora para mim e, acredito, para a Camila também. A cena que antecede a explosão, o encontro entre as duas, é intensa: Viviane grava a confissão de Lola, que admite ter matado seu próprio marido, que também era o melhor amigo de Viviane. Há um jogo de desconfiança — Viviane suspeita de Lola, Lola suspeita de Viviane —, e, ao mesmo tempo, as duas tentam entender o que está acontecendo enquanto expressam o amor que sentem uma pela outra.
Foi um momento muito difícil, mas também muito especial de enfrentarmos juntas. Nenhuma cena é simples, porque o Raphael tem essa característica de criar personagens com muitas camadas, mas, sem dúvida, essa sequência final foi a mais importante da trajetória.

Com um histórico de personagens intensos e marcantes, Naruna Costa continua ampliando seu espaço e dando vida a narrativas que fogem do óbvio. Em Beleza Fatal, sua Viviane mostrou que mocinhos e vilões não são apenas opostos absolutos — entre o certo e o errado, há sempre um território cinzento, onde a sobrevivência impõe suas próprias regras.
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