top of page

[CRÍTICA] Pecadores (2025): sangue, Blues e monstros sob a luz da lua do sul profundo

Atualizado: 20 de abr.

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Pecadores (2025)
Foto: reprodução/divulgação/Warner Bros. Pictures

Estreando em 17 de abril de 2025, Pecadores (título original: Sinners) é um filme que transita entre o sobrenatural e o humano com rara sensibilidade e firmeza. Dirigido por Ryan Coogler, o longa marca mais uma poderosa colaboração com Michael B. Jordan, que aqui interpreta dois irmãos gêmeos — Smoke (Fumaça) e Stack (Fuligem) — em performances que capturam com precisão o contraste entre contenção e impulsividade, passado e redenção, vida e morte.


Ambientado no sul dos Estados Unidos, em plena Louisiana de 1932, o filme mergulha numa comunidade negra que luta para sobreviver entre a segregação racial, a escassez econômica e os fantasmas — literais e metafóricos — que rondam o povo. Os irmãos retornam à cidade natal após uma longa ausência, trazendo consigo o plano de abrir uma casa de blues e deixar para trás a vida de crimes. Mas o sonho de reconstrução e pertencimento rapidamente se vê ameaçado pela chegada de Remmick, um forasteiro que carrega intenções sombrias e revela que há mais segredos debaixo daquela terra quente do que os irmãos gostariam de admitir.


O que diferencia Pecadores de outros filmes de terror é sua capacidade de aprofundar as camadas dramáticas antes mesmo de evocar o sobrenatural. A primeira metade do filme funciona quase como um drama histórico, mostrando os desafios diários da comunidade, o preconceito institucionalizado e as relações complexas entre os personagens. É nesse solo que germina o horror: não como susto gratuito, mas como continuidade do trauma coletivo.


Michael B. Jordan, mais uma vez, entrega uma performance irretocável. Interpretar dois personagens com trajetórias emocionais tão distintas seria um desafio para qualquer ator. Jordan não apenas os distingue com clareza — seja pelo tom de voz, gestos ou expressões — como os une pela dor que compartilham. Fumaça é introspectivo, calejado pela culpa. Fuligem, mais jovem de espírito, transborda raiva e desejo de mudança. A forma como esses dois mundos colidem é o centro emocional da trama. A direção de arte colabora ao vestir cada irmão com cores opostas: azul para Fumaça, vermelho para Fuligem, reforçando visualmente suas identidades conflitantes.


Ao lado deles, o elenco brilha. Hailee Steinfeld, em seu papel mais maduro até agora, vive Mary, o interesse amoroso de Fuligem. A atriz equilibra delicadeza e força em uma personagem que sofre com o preconceito da época, sendo forçada a esconder seus sentimentos. Já Wunmi Mosaku, como Annie, representa o elo ancestral da história. Sua presença é espiritual, quase xamânica, e ela parece saber mais sobre os horrores à espreita do que qualquer um ali.


Pecadores (2025)
Foto: reprodução/divulgação/Warner Bros. Pictures

A maior surpresa, porém, é Miles Caton, que estreia no cinema como Sammie, primo dos irmãos e músico talentoso. Caton não apenas atua com naturalidade como canta e toca blues com uma paixão rara. Seu personagem funciona como o coração pulsante do filme, e há uma sequência especialmente memorável: em um plano-sequência, Sammie toca uma música no clube, conectando-se a gerações passadas e futuras através do som. É uma das cenas mais belas e simbólicas do longa, em que o poder da arte transcende o terror.


O filme cresce ainda mais com a trilha sonora de Ludwig Göransson, que mistura blues do Delta com composições modernas em uma mescla visceral. A música em Pecadores não é mero pano de fundo: ela é expressão de resistência, é lamento e é reza. A fotografia de Autumn Durald Arkapaw, filmada em 65mm IMAX, transforma paisagens do sul dos Estados Unidos em verdadeiros quadros. Os campos de algodão, o interior do clube, a penumbra das noites estreladas — tudo é captado com cuidado e profundidade, evocando beleza até nos momentos mais brutais.


Mas Pecadores é, sim, um filme de terror. Quando o horror irrompe, ele o faz com impacto. A chegada de Remmick, vivido por Jack O’Connell, é um ponto de virada. Inicialmente carismático e aparentemente inofensivo, o vilão logo revela sua verdadeira natureza — e suas intenções são tão simbólicas quanto sangrentas. Remmick representa não apenas o mal sobrenatural, mas também os sistemas opressores que, por séculos, se alimentaram da dor negra. A escolha de Coogler de associar o vampirismo ao legado do racismo institucionalizado é brilhante: os monstros que surgem não são apenas literais, mas históricos. Não à toa, o próprio diretor citou Um Drink no Inferno como inspiração, mas aqui o horror serve um propósito maior.


Pecadores (2025)
Foto: reprodução/divulgação/Warner Bros. Pictures

As cenas de terror são filmadas com precisão. Há sustos, há tensão e há sangue. Mas tudo é construído com narrativa, nunca gratuito. Quando o filme mergulha em sua segunda metade, mais focada na batalha contra os vampiros, ele ganha ritmo e densidade sem perder a conexão emocional que construiu até ali. E mesmo nos momentos mais brutais, permanece a sensação de que estamos vendo algo profundamente humano. A luta pela sobrevivência aqui é física, mas também simbólica.


Tecnicamente, Pecadores é impecável. Os figurinos de Ruth E. Carter, vencedora do Oscar por Pantera Negra, ajudam a contar a história sem palavras. A direção de Coogler é segura, equilibrando drama e horror com fluidez. E o roteiro, também assinado por ele, entrega diálogos afiados, personagens complexos e um desfecho que emociona tanto quanto assusta.


Destaque ainda para Delroy Lindo, em uma participação como Delta Slim, um músico veterano que serve de mentor espiritual e alívio cômico. E para a sequência pós-créditos — fique até o fim — que traz uma cena importante para o fechamento da narrativa.

Pecadores é mais do que um filme de vampiros. É um grito ancestral. É uma canção de blues transformada em imagem. É uma elegia sobre irmãos que tentam se salvar enquanto o mundo insiste em engoli-los. É sobre memória, resistência, amor e o horror que nunca deixou de existir — apenas mudou de forma.


Ryan Coogler assina aqui sua obra mais ousada. E Michael B. Jordan confirma o que já sabíamos: é um dos grandes atores de sua geração. Juntos, eles entregam uma obra que impressiona por sua beleza, inquieta por sua denúncia e emociona por sua humanidade.eito de lembrar, de enterrar os mortos com dignidade, de transformar dor em música.


Pecadores (2025)
Foto: reprodução/divulgação/Warner Bros. Pictures

Com Pecadores, Ryan Coogler se junta a nomes como Jordan Peele e Nia DaCosta em uma nova geração de cineastas que usam o terror como ferramenta de denúncia e afirmação. São filmes que assustam, sim, mas que também abraçam, acolhem e provocam.


E se Jordan Peele nos mostrou que "não olhar" pode ser fatal, Coogler responde que "olhar de volta" é o primeiro passo para quebrar o ciclo.


Pecadores é mais do que um filme de terror. É uma elegia para os esquecidos, uma canção de guerra e amor cantada sob a lua cheia do sul profundo. É brutal, mas também poético. É feroz, mas também belo.


Com atuações memoráveis, direção precisa e uma trilha sonora que ecoa muito depois do último fade out, Pecadores se firma como uma das obras mais relevantes, intensas e humanas de 2025.



Nota Final: ⭐⭐⭐⭐⭐ (5/5)

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page