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[CRÍTICA] Nickel Boys: um retrato brutal da injustiça que ecoa no presente

Manu Cárvalho

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho


Nota: ★★★★½

Intimista e visceral, Nickel Boys faz a diferença
Intimista e visceral, Nickel Boys faz a diferença (Foto: Reprodução / Our Fave Places)

O que significa crescer em um mundo que já decidiu seu destino antes mesmo que você tenha a chance de lutar por ele? Nickel Boys, adaptação cinematográfica do premiado romance de Colson Whitehead, não é apenas um filme, mas um grito sufocado de gerações de meninos que foram esquecidos pelo sistema. A produção, dirigida com maestria por RaMell Ross, traz à tona a brutalidade do racismo institucionalizado, a fragilidade da esperança e a resiliência necessária para sobreviver em um mundo onde a justiça parece uma promessa vazia.


Um drama poderoso e imersivo

O filme acompanha a jornada de Elwood Curtis, um jovem brilhante e idealista que sonha com um futuro melhor. Inspirado pelos discursos de Martin Luther King Jr., ele acredita na educação como ferramenta para a ascensão social. Mas sua vida muda drasticamente quando, devido a uma série de circunstâncias injustas, ele é enviado à Nickel Academy, um reformatório juvenil que se revela um verdadeiro campo de horrores. Lá, Elwood conhece Turner, um jovem cético e desiludido, cuja visão de mundo é moldada pela dura realidade do racismo e da violência sistêmica.


Desde os primeiros minutos, Nickel Boys não alivia na construção de um ambiente opressor. A Nickel Academy, baseada em uma instituição real na Flórida, é um lugar onde a disciplina se confunde com tortura, e a punição se torna um instrumento de desumanização.

Nickel Boys é atual e visceral. Social e impactante!
Nickel Boys é atual e visceral. Social e impactante! (Foto: Reprodução / New York Times)

Atuações intensas e direção impactante

A direção de RaMell Ross opta por uma abordagem intimista e visceral. Cada cena é filmada com um realismo cortante, evitando a espetacularização da violência, mas deixando claro seu impacto avassalador. A paleta de cores sombria e a fotografia granulada transportam o espectador para um tempo e lugar onde a esperança é constantemente esmagada.


Ethan Herisse entrega uma performance impressionante como Elwood. Sua expressão carrega uma mistura de ingenuidade e determinação que nos faz torcer por ele, mesmo quando tudo aponta para um destino cruel. Brandon Wilson, no papel de Turner, equilibra essa dinâmica com uma atuação crua e verdadeira, representando aqueles que, para sobreviver, precisam abandonar qualquer ilusão de justiça.


A relação entre Elwood e Turner encapsula essa dualidade: um acredita na mudança, o outro só acredita na sobrevivência. Quem está certo? O filme nos obriga a refletir sobre essa questão, sem oferecer respostas fáceis.


Um espelho da realidade: passado e presente

Embora se passe nos anos 1960, Nickel Boys ressoa assustadoramente com os dias de hoje. A violência policial, a criminalização da juventude negra e o colapso do sistema de justiça continuam a ser realidades brutais. O filme não apenas revisita o passado, mas obriga o público a encarar o presente, questionando quantas "academias Nickel" ainda existem sob outros nomes.


A trilha sonora sutil, composta por melodias melancólicas e acordes pesados, reforça o peso emocional da narrativa. Cada silêncio prolongado entre os diálogos serve como uma pausa necessária para que possamos processar o que estamos testemunhando.


Ao contrário de muitas narrativas sobre racismo, que romantizam a luta dos personagens, Nickel Boys não cede a esse conforto. A dor e o sofrimento são retratados sem filtros, e a esperança, quando surge, é sempre acompanhada pela sombra da dúvida.

Brandon Wilson e sua atuação relevante e necessária
Brandon Wilson e sua atuação relevante e necessária (Foto: Reprodução / Observador)

A estética como ferramenta narrativa

Ross traz uma abordagem visual única, alternando entre cenas de grande sensibilidade e momentos de violência explícita. O uso de câmera na mão cria um senso de urgência, enquanto os enquadramentos fechados aumentam a sensação de claustrofobia. Somos constantemente lembrados de que não há escapatória fácil.


O design de produção é meticuloso. Os dormitórios, os uniformes surrados e os corredores escuros da Nickel Academy são tão sufocantes quanto os olhares de desprezo lançados pelos funcionários da instituição. Cada detalhe reforça a sensação de que aquele espaço foi projetado não para corrigir, mas para quebrar aqueles que ali entram.


E o mais doloroso de tudo? Sabemos que muitas histórias como a de Elwood nunca foram contadas. Muitas vidas foram apagadas antes que pudessem alcançar qualquer justiça.


Impacto e relevância histórica

Desde sua estreia no Festival de Cinema de Telluride, Nickel Boys tem recebido aclamação crítica. Muitos o consideram um dos filmes mais importantes do ano, comparando-o a clássicos como 12 Anos de Escravidão e Moonlight. Não é apenas uma adaptação literária bem-feita; é uma denúncia, um lembrete, um pedido para que essas histórias nunca sejam esquecidas.


O filme não busca oferecer respostas fáceis. Ao invés disso, nos deixa com perguntas que ecoam muito além dos créditos finais: quantas vidas foram arruinadas por sistemas que deveriam proteger? Quantos Elwoods ainda existem por aí, acreditando que o mundo pode ser justo, apenas para serem esmagados pela realidade?


Um filme que não se esquece

Nickel Boys não é um filme para entretenimento leve. Ele é um soco no estômago, um lembrete de que a história se repete quando não é confrontada. Com performances emocionantes, uma direção corajosa e uma narrativa que se recusa a amenizar as atrocidades do passado, o filme se consolida como uma das obras cinematográficas mais impactantes dos últimos tempos.


Se há algo que Nickel Boys nos ensina, é que a verdade sempre encontra uma maneira de vir à tona. E, quando isso acontece, cabe a nós decidir se vamos ouvi-la ou continuar fingindo que ela nunca existiu.

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