
O dinheiro rápido e fácil está na mão, mas o preço pode ser alto. A Medida Provisória do empréstimo consignado, que entra em vigor hoje, promete ampliar o acesso ao crédito para trabalhadores CLT, garantindo juros mais baixos e mais competitividade no mercado financeiro. Mas será que essa facilidade toda vem sem riscos? Especialistas alertam: a entrada massiva dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) pode transformar essa “oportunidade” em uma bomba-relógio de endividamento para milhares de brasileiros.
MP do Consignado: O que muda na prática?
Até então, o empréstimo consignado – aquele descontado diretamente na folha de pagamento – era mais acessível para aposentados, pensionistas do INSS e servidores públicos. Com a nova MP, os trabalhadores do setor privado com carteira assinada agora podem acessar o crédito com maior facilidade. O grande atrativo? Taxas de juros mais baixas do que as do crédito pessoal convencional, já que o desconto na folha reduz o risco para os bancos e financeiras.
Mas há um novo ingrediente nesse caldeirão: os FIDCs, que agora entram no jogo, aumentando a oferta de crédito. O problema? Diferentemente dos bancos tradicionais, esses fundos não costumam ter a mesma rigidez na análise da capacidade de pagamento do tomador. Isso pode significar uma enxurrada de dinheiro sendo concedida sem critério, o que pode levar ao superendividamento em massa.
“Facilidade não pode virar cilada”, alerta especialista
A advogada Carla Moura, especialista em direito empresarial e recuperação de crédito, vê a MP com preocupação. “A entrada dos FIDCs pode aumentar a concorrência e reduzir as taxas, mas também eleva o risco de concessão desenfreada, sem a devida análise da capacidade de pagamento dos trabalhadores. Isso pode criar um ciclo perigoso de endividamento, onde a pessoa toma um empréstimo para pagar outro, e assim por diante.”
E esse risco não é apenas uma hipótese. Dados do Banco Central mostram que o número de brasileiros endividados bateu recorde em 2024, com 78,8% das famílias registrando algum tipo de dívida, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da CNC. Se o crédito fácil não for bem gerido, essa situação pode piorar ainda mais.

“O dinheiro vem fácil, mas sair da dívida não é tão simples”
Para Henrique Batista, consultor em recuperação de crédito, o risco maior está na falta de educação financeira. “O trabalhador vê um dinheiro extra na conta, se empolga, e muitas vezes contrai empréstimos sem planejamento. Com o desconto direto na folha, ele pode acabar comprometendo boa parte do salário e se enrolando ainda mais. O problema não é só pegar o crédito, mas entender se ele realmente cabe no orçamento.”
E é aí que mora o perigo: com a MP, as regras para concessão ficaram mais flexíveis, mas o controle sobre o impacto financeiro na vida do trabalhador não acompanhou essa mudança. Diferente do servidor público ou do aposentado, que tem uma renda fixa e previsível, o trabalhador CLT pode enfrentar instabilidades – uma demissão, por exemplo, pode transformar uma dívida “tranquila” em um problema gigantesco.
Quem ganha e quem perde com a nova MP?
Se por um lado os bancos e os FIDCs se beneficiam de um novo mercado de crédito, por outro, os trabalhadores podem se ver em uma situação delicada. De acordo com Gustavo Ribeiro, advogado especialista em direito financeiro, o governo deveria ter acompanhado a medida com mecanismos de proteção ao consumidor. “Não há um controle rigoroso sobre o limite de comprometimento da renda desses trabalhadores, e isso pode ser perigoso. O ideal seria uma política de educação financeira obrigatória antes da concessão do crédito, como já acontece em alguns países.”
O que fazer para não cair na armadilha do endividamento?
Se você é trabalhador CLT e está considerando pegar um empréstimo consignado, a dica de ouro é fazer as contas antes de assinar qualquer contrato. Especialistas recomendam:
✅ Analise sua real necessidade – Pegue o crédito apenas se for essencial. Se for para cobrir dívidas, avalie se a taxa de juros realmente vale a pena.
✅ Não comprometa mais do que 30% da sua renda – Esse é o limite recomendado por especialistas para evitar sufoco financeiro.
✅ Leia o contrato com atenção – Fique de olho nas taxas, prazos e possíveis cobranças ocultas.
✅ Planeje o pagamento – Lembre-se que o desconto será feito direto na sua folha. Você pode lidar com um salário menor nos próximos meses?
O crédito fácil chegou, mas a conta pode vir alta
A MP do consignado pode ser uma ótima alternativa para quem precisa de dinheiro com juros menores, mas sem planejamento, pode virar um pesadelo. O aumento da concorrência no setor financeiro não significa que os trabalhadores terão mais segurança – pelo contrário, sem uma regulamentação mais rígida, o risco de superendividamento cresce.
No fim das contas, a pergunta que fica é: será que esse crédito extra realmente vai ajudar ou apenas aprofundar o buraco financeiro de quem já luta para equilibrar as contas? O tempo dirá. Mas uma coisa é certa: o dinheiro fácil pode ser uma tentação, mas o bolso pode não perdoar depois.
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