Para o diálogo sobre questões que envolvem mulheres, sempre é tempo.
Enquanto eu lia este livro, algumas palavras foram surgindo em minha mente, como chaves de um baú do tesouro perdido: força, determinação, resiliência, ousadia, compromisso, compaixão... são sensações inevitáveis nesse intercurso literário honesto e sensível.
O livro foi lançado no Brasil em 2022 pela editora Harlequim, é de autoria de Susan Wiggs, que escreveu, entre tantos outros títulos, o mapa do coração e a livraria dos achados e perdidos, que se tornou best-seller por aqui (Brasil). Ainda não li todos os livros dela, mas pelo que já conheci, ela tem uma escrita fluida e muito sensível. Um delicado toque de "acredite, tudo vai ficar bem", "olha, isso é um alerta" com um equilíbrio entre suavidade e soco no estômago.
Em clube de costura dos corações remendados, Caroline Shelby, personagem principal, protagonista da história, surge, de madrugada, dirigindo um carro velho que não é seu, com duas crianças, que não são suas, no banco de trás, retornando para sua antiga cidade, de onde ela sempre quis sair, e tendo um desastrado encontro com seu antigo amor. As cenas iniciais mostram uma mulher desconcertada e encrencada. Caroline deixou, anos antes, sua cidade natal para ir para Nova York em busca de seu sonho profissional, que estava acima de qualquer coisa para si: ser uma estilista reconhecida no mundo da moda. E deixou também sua melhor amiga, seu grande amor e sua família.
Ao longo dos diálogos percebe-se em Caroline os fortes traços da mulher moderna: busca independência financeira e emocional; trabalha incansavelmente e é altamente eficaz. Nesse Âmbito ela enfrenta, como muitas mulheres, os vários e cruéis revezes do mundo corporativo, da hipocrisia ao machismo.
Caroline, que sempre teve a certeza de não querer se casar e nem ter filhos, se vê levada a ser guardiã legal, e depois mãe, de duas crianças, filhos de sua grande amiga e reconhecida modelo, que morre trágica e violentamente. Para dar conta de cuidar das crianças, pelas quais vai desenvolvendo uma mor sincero e profundo, e para retomar sua carreira que foi destruída pela deslealdade de seu chefe que se apropria de suas criações, ela retorna a sua cidade. E nisso reencontra seu grande amor, de quem tinha se afastado totalmente já que ele se casou com sua melhor amiga da infância.
Ao retornar, Caroline está exausta, confusa, ansiosa e assombrada por tantos dramas que o coração está partido. Ela precisa entender a morte de sua amiga, descobrir como recomeçar a carreira, aprender a lidar com os filhos, que agora são seus, reaprender a conviver com seus familiares, e lidar com o casal Wil e Sierra, seu grande amor, sua ex-melhor amiga... dar sentido a sua vida.
Aqui está uma grande lição de acolhimento: a família de Caroline é o exemplo de família que não passa a mão na cabeça e não abandona. Que sabe esperar o tempo das pessoas, respeitar as dores, mas não se esconde e não deixa esconder nada. Uma família que cura. O reencontro com Wil é a prova que um grande amor não se acaba.
Por alguns instantes que quase achei que história se tornaria mais um romance sem graça daqueles que da voltas e voltas para apenas retomar um caso de amor. Mas não, as páginas dedicadas aos encontros entre Wil e Caroline são necessárias para dar um fôlego ao leitor. Dessa forma a autora vai mostrando como as violências acontecem e estão presentes em nossos cotidianos e não as percebemos, ou o quanto elas nos ferem também e ainda mais quando não sabemos o que fazer, como agir para ajudar aquelas que sofrem com essas violências.
Em meio as cenas de cotidiano a autora vai introduzindo relatos de violências que as mulheres sofrem, e o quanto escondem esses fatos e que não é fácil encarar a verdade sobre isso. Quando a amiga de Caroline morre e lhe deixa duas crianças, ela percebe que as coisas podem ser mais complicadas que parecem. Então, Caroline decide criar o clube de costura dos corações remendados. É o que lhe dá forças para recomeçar e sentido a sua vida, agora como mãe, já que adota as duas crianças.
Uma das faces mais lindas desse livro, é justamente o clube de costurado criado como meio para que mulheres vitimas de violência possam encontrar ajuda, segurança e recomeçar suas vidas. Mais que isso, mulher ajudando mulher. Um livro que mostra a forma de uma mulher e o poder inabalável de mulheres que se ajudam uma as outras.
Romance, dores, corações partidos, separações, perdas, recomeços, maturidade, e o poder de uma irmandade feminina estão aí, com uma sensibilidade e honestidade incríveis somadas a linguagem literária que cura e dá esperança. Esse livro é biblioterapêutico do início ao fim e me lembrou a moça tecelã (quem não leu corra para ler, as duas coisas).
Cléo Schineider
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