Um desfile de fé, devoção e saudade marcou a Sapucaí na última noite de Neguinho como voz da Soberana

O tempo parou na Sapucaí. E não foi por acaso. O relógio da emoção girou ao contrário e nos trouxe de volta 50 anos de história. Quando a Beija-Flor pisou na Avenida para apresentar o enredo "Laíla de Todos os Santos, Laíla de Todos os Sambas", Nilópolis inteira cantou. O Sambódromo cantou. O Brasil cantou. Porque ali, naquela noite, a escola não estava apenas disputando um título. Ela estava se despedindo de um rei.

O enredo assinado por João Vítor Araújo já vinha carregado de significado: celebrar Laíla, o gênio do carnaval que ajudou a transformar a Beija-Flor em potência. Mas o brilho daquela segunda-feira não foi só dele. Neguinho da Beija-Flor, a voz de uma era, atravessou a Marquês de Sapucaí pela última vez como intérprete oficial da azul e branco. E, ah, que despedida foi essa!

A emoção que não coube no peito

Dizem que ninguém é insubstituível, mas como substituir alguém que é símbolo? Neguinho está para a Beija-Flor assim como o samba está para o carnaval. E a última apresentação dele na Avenida teve a força de um trovão. Sua voz cortou o ar como se o tempo não tivesse passado, como se os 50 carnavais fossem apenas um ensaio para esse grande ato final.
O samba-enredo, assinado por Rômulo Massacesi, Junior Trindade, Serginho Aguiar Centeno, Ailson Picanço, Gladiador e Felipe Sena, parecia ter sido escrito para esse momento. Não era apenas sobre Laíla, era sobre um legado. Quando a bateria parava e só a voz de Neguinho ecoava, a Sapucaí respondia de peito aberto, em um coro ensurdecedor.
E então, veio o último carro. A Beija-Flor revisitou um dos seus momentos mais icônicos: o Cristo Mendigo de 1989. A escultura apareceu de novo, mas com um pedido diferente. No lugar do "Cristo da fome", os dizeres "Do Orum, olhai por nós" pediam proteção, luz e guia. Só que um detalhe quase tirou um décimo da Soberana: a faixa não desenrolou completamente. Pequeno deslize, mas que poderia custar caro na apuração.

Beija-Flor entra na briga pelo título
A Beija-Flor não entrou na Avenida para brincar. Mesmo com a emoção tomando conta, a escola mostrou técnica, luxo e potência. A comissão de frente trouxe Laíla como uma criança abençoada pelos santos e se tornou um dos momentos mais belos da noite. Uma alegoria que acendia "velas" do chão reforçou o tom espiritual da homenagem, emocionando até os mais céticos.

Com samba forte, bateria ousada e uma passagem imponente, a Beija-Flor reafirmou que não perde a majestade. Se os jurados pegarem leve na questão da faixa enrolada, Nilópolis tem tudo para brigar lá em cima.
E Neguinho? Ah, esse saiu aplaudido, ovacionado e eternizado. Porque sua despedida pode ter acontecido, mas seu nome continuará ecoando, carnaval após carnaval. A voz da Beija-Flor nunca vai se calar.
Comentários